sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Tempos modernos

Houve um tempo, bem recente, em que existiam duas categorias básicas de óleo lubrificante para motores.

Existia o óleo mineral de boa qualidade — óleo puro destilado de petróleo bruto proveniente diretamente da refinaria e comercializado pelos grandes fabricantes e distribuidores de combustíveis —, e os óleos minerais de segunda linha, reciclados a partir de óleo usado, degradado e contaminado que você jogava fora.


Esse segundo tipo era refinado novamente, vendido mais barato e não tinha uma grande marca por trás. O óleo usado era coletado nos postos por pequenos caminhões-tanque sem identificação, filtrados e processados em minúsculas refinarias e colocados no mercado com marcas comerciais também obscuras. 



Imagem: http://nextgen.valvoline.com/
Isso era assim até algum tempo atrás.

Hoje, em tempos de maior preocupação com o meio ambiente, os grandes fabricantes descobriram que o óleo usado — paradoxalmente — é melhor do que o óleo novo. Jezebel discorda e eu tenho sérias dúvidas.

Better than new oil, é o que diz a Valvoline, fabricante tradicionalíssimo, promovendo a linha NextGen de lubrificantes assumidamente reciclados e ecologicamente corretos. Bom para o meio ambiente, melhor para o motor, etc., etc., etc. 

A política de preços da Valvoline nos EUA para esse óleo reciclado é de vendê-lo pelo mesmo preço que o óleo puro, apoiados numa pesada campanha de marketing.

Essa estratégia não deu certo no Brasil, onde o NextGen foi lançado e retirado do mercado em pouco tempo; os consumidores não se dispuseram a pagar um preço de óleo novo por um óleo declaradamente reciclado. 

O fato é que hoje passaram a existir quatro categorias básicas de óleo lubrificante para motores automotivos:
  • os tradicionais óleos minerais puros de marcas consagradas; 
  • os mágicos (e caríssimos) óleos sintéticos e semissintéticos puros de marcas consagradas;
  • os óleos minerais reciclados de marcas consagradas; (só lembro do NextGen)
  • os humildes e baratos óleos minerais reciclados de marcas pouco conhecidas, cuja condição de produto reciclado é declarada na embalagem — ou não.
O motivo para esta postagem surgiu na minha cabeça quando vi uma coisa inédita:

No posto de troca de óleo que Jezebel e eu frequentamos, havia uma enorme carreta-tanque claramente identificada com o inconfundível logotipo de uma consagrada companhia distribuidora de combustíveis e lubrificantes que eu não vou citar o nome, vamos chamá-la de Vieira.

O caminhão da Vieira não estava lá para trocar o óleo do motor; estava coletando óleo usado para reciclagem.

Alguém já ouviu falar de alguma linha de óleos reciclados de um desses grandes fabricantes, como a Shell, Petrobras ou Ipiranga, nos mesmos moldes do óleo assumidamente reciclado comercializado pela Valvoline (a preço de óleo puro)?

Que eu saiba, nenhuma dessas empresas comercializa óleos assumidamente reciclados, apenas óleos minerais ou caros sintéticos / semissintéticos, todos virgens, vendidos como (e a preço de) óleo puro.

A bem da verdade, como fui informado, é obrigatório recolher o óleo usado, independente de reutilizar diretamente ou não. Então, a princípio, o caminhão estava lá cumprindo a lei — quem vende também tem que recolher.

A grande questão é, para onde vai esse óleo usado, degradado e contaminado, mistura de marcas e tipos (mineral e sintético) quimicamente incompatíveis entre si, coletado por essa(s) grande(s) empresa(s)?

Está sendo repassado para os pequenos fabricantes de marcas obscuras?

Está sendo adicionado ao óleo mineral vendido como puro? 


Faz parte da composição dos caríssimos óleos puros sintéticos / semissintéticos?


Afinal, o que é um óleo sintético?

É um óleo sintetizado a partir de matérias primas que não o petróleo bruto.

E é nessa questão semântica (de significado das palavras) que está o X da questão: 

Conforme a definição, o óleo usado degradado, contaminado e reciclado já não é mais petróleo bruto, portanto se encaixaria perfeitamente na categoria de outras matérias primas.

Minha dúvida é:

Os fabricantes estariam sintetizando os caros óleos sintéticos e semissintéticos a partir desse tipo de matéria prima? Ou adicionando esse refugo reaproveitado óleo reciclado aos produtos vendidos por eles?


Se estão, por que essas presumíveis adições de óleos de procedência e condição duvidosa rerrefinados não são informadas aos clientes que estão pagando por — e pensam estar levando — produtos de primeira linha e pureza assegurada 
pelo logotipo dos grandes fabricantes?

Pois é, meu caro, minha cara...



Imagem: Chaplin - Tempos Modernos 
http://www.massarani.com.br/FGHQ_Tempos_Modernos.html

Em tempos modernos de marketing ecologicamente correto, será que a Valvoline apenas foi mais sincera que as suas irmãs petrolíferas?

Será que o marketing do ecologicamente correto pode estar levando você a alegremente pagar caro (ou bem mais caro) por um óleo que em outros tempos seria considerado lubrificante de segunda linha de qualidade inferior — óleo que até ontem era o produto mais barato disponível para venda?

Veja bem, não sou contra o reaproveitamento do óleo usado; para algum lugar ele tem de ir, e é melhor que não seja descartado na natureza.


O que sou é contrário às políticas praticadas pelas grandes corporações que se empenham noite e dia na redução de seus custos visando apenas aumentar suas margens de lucro, sem transparência para os consumidores e a sociedade, não disponibilizando informações e contando com a boa fé das pessoas.


Mas talvez eu seja apenas um Dom Quixote lutando contra moinhos de vento em tempos modernos...

Um abraço,


Jeff

Atualização:

O leitor Virlei Alberto Hatjem comentou:

Um comerciante amigo meu me comentou que os fabricantes de óleo lubrificante nacionais são obrigados a adicionar um percentual de óleo reciclado ao óleo "puro". Não sei se é verdade, mas acredito que haja essa mistura para reaproveitar esses óleos usados.

Pois é, isso confirmaria minha suspeita. Compramos produtos que reaproveitam o óleo reciclado, sem sermos informados a respeito.

Pesquisei essa obrigatoriedade e encontrei a matéria 

Saiba como é feita a reciclagem de óleo lubrificante no site Pensamento Verde com explicações do processo de reciclagem: 

"A reciclagem do óleo lubrificante é realizada em refinarias, removendo impurezas químicas, sujeira e metais pesados. No processo é realizado um teste para determinar a adequação da desidratação, que vai remover a água que será tratada. 

O combustível é separado do óleo, que é destilado para remoção do corte lubrificante. Este lubrificante, que será reaproveitado, passa por um processo químico de estabilização." 


Aditivos são misturados ao produto para fabricar produtos específicos para cada finalidade. Os produtos são testados sobre a qualidade e pureza e destinados à venda."


Leia a matéria completa neste link.

Para nós, não há o que fazer. Apenas temos de ficar atentos quanto à qualidade do óleo que usamos para ter certeza de que não diminuirá com o tempo.

É a filosofia Petrobras: 

Nossos clientes cativos pagam mais caro pela pior gasolina do mundo (na verdade, nem gasolina é, é gasool — gasolina + álcool — condenado lá fora por todos os fabricantes de motores, e misteriosamente elogiado por estas bandas. Vou preparar uma postagem sobre isso.), e pagam preço de óleo novo por óleo batizado com óleo rerrefinado sem serem informados a respeito.

Obrigado, e um abraço,

Jeff

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