domingo, 20 de setembro de 2015

Minha moto com injeção eletrônica está estranha depois de pegar no tranco

Dúvida enviada pelo leitor Coyote na postagem Como fazer a moto funcionar no tranco:

Amigo, estava ontem à noite em uma rodovia, tive que parar no acostamento pois minha esposa passou mal. Liguei os piscas alerta, farol e tudo mais ficamos lá um bom tempo até sair. 

Ao tentar a partida as luzes ficaram fracas e a carga restante não foi suficiente para ligar a moto (IE) ... Tentei mais algumas vezes e tive de apelar para o tranco. 

A moto ligou e chegamos em casa numa boa, porém estou achando que o motor está fazendo alguns ruídos diferentes... 

O que pode ser? O funcionamento está perfeito (ou é meu psicológico me enganando rsrs).

Não pilote preocupado com o motor, isso muito provavelmente não é nada grave...

Imagem: http://giphy.com/gifs/animated-gifs-nno6qUu1xfjYQ

O que pouca gente sabe é que o sistema de injeção eletrônica possui um modo de segurança. 

Quando o sistema detecta alguma anormalidade que possa ser interpretada como um sensor defeituoso, ele deixa de atuar com base nos sensores e passa a usar dados médios pré-programados na memória da central eletrônica.

Como você conseguiu dar partida no tranco, a voltagem baixa da bateria fez algum sensor trabalhar fora da faixa de medição habitual.

Se fosse um sensor fundamental, tipo o sensor de rotação do virabrequim, a moto não funcionaria de jeito nenhum.

Mas se for um sensor secundário, tipo o sensor de temperatura ou pressão do ar, o sistema descarta a informação do sensor suspeito e adota valores medianos, suficientes para o motor funcionar com desempenho razoável. E vamoquivamo que em casa a gente vê isso.

Com essa estratégia o funcionamento do motor não é o ideal, mas apenas o suficiente para você conseguir chegar até em casa ou uma oficina / concessionária / local de socorro. 

Em inglês esse modo de segurança é chamado "limp home", cuja tradução ao pé da letra é "ir para casa mancando" — a condição é indicada pela luz de advertência do sistema de injeção acesa ou piscando.

Nenhum componente precisa estar defeituoso para o motor entrar em modo de segurança, basta uma leitura incorreta de um sensor, o que é comum quando a tensão da bateria é muito baixa.

Nessa situação descrita pelo Coyote, para resolver o problema também não precisa trocar peça nenhuma; isso seria necessário somente se houvesse algum componente realmente defeituoso.

Existe um procedimento simples para reinicializar a central à condição original, que é diferente para cada fabricante. Às vezes tão simples quanto desligar e ligar novamente o motor com a bateria plenamente carregada.

Uma vez reinicializada, a central precisará de algum tempo (quilometragem) para reaprender os parâmetros de cada sensor, então sua moto apresentará um desempenho abaixo do ideal por algumas dezenas de quilômetros — depois disso, ela voltará ao normal.

O mesmo vale também para os carros, e muita gente morre uma grana na oficina porque não lê o manual do proprietário desconhece esse macete.

Caso ela não volte ao normal depois de uns 100 km, e você não descubra o procedimento correto de reinicializar a ECU, um mecânico honesto o executará e talvez nem cobre pagamento pelo serviço.

Já um mecânico desonesto dirá que "o tranco afetou a ECU", um componente muito caro, e que "ela precisará ser trocada", "vai ter que esperar chegar a peça", "volte amanhã no fim do dia".

Na imensa maioria das vezes, isso é mera balela para arrancar dinheiro de incautos. 

Trancos são impactos mecânicos e todo impacto mecânico deve ser evitado, e só utilizado em último caso; mas eu não consigo imaginar um tranco capaz de danificar a central eletrônica.

O único componente que talvez fosse suscetível a uma pane causada por tranco é a embreagem de partida, uma catraca que só gira em uma direção e que contém componentes miúdos.

Ela permite o acionamento pelo pedal / motor de partida e depois que o motor entra em funcionamento ela gira livremente, a menos que os roletes tenham sido danificados no processo do tranco.

Como diz o Daniel (em azul):

O tranco é apenas para não ficar na mão devido a problemas no arranque ou bateria, mas o mesmo tem que ser reparado o quanto antes para evitar danos ao motor. 

Isso ainda depende do tipo de alimentação do circuito da motocicleta, se for CC (corrente contínua) somente se houver tensão na bateria que condiga alimentar o sistema de ignição, CDI e bobina de ignição nas carburadas.


No caso das injetadas, [é necessário haver tensão suficiente para] alimentar a bomba de combustível de modo a pressurizar a linha de alimentação, o módulo de injeção (ECU) e demais sensores. 


Se o sistema de alimentação do circuito for CA (corrente alternada [e moto carburada]) o motor funcionará no tranco mesmo sem bateria desde que haja combustível e o sistema de ignição esteja em ordem.


A baixa tensão da bateria (por descarga ou por estar no fim de sua vida útil) ou um mau contato do polo negativo (aterramento de forma geral) pode gerar picos de tensão que podem queimar o módulo de injeção ou deixar a injeção "maluca" apresentando falhas que realmente não existem. 

A tensão da bateria não pode baixar de 9V (mínimo e depende do fabricante da ECU e do veículo, o ideal é não baixar de 10V) durante a partida, abaixo disso pode gerar códigos de falhas ou danos à ECU. Esse problema é muito comum em carros.

Do que se conclui que mais danoso que o tranco é deixar a bateria arriar. E que motos carburadas não têm essas frescuras.

Se não houver nenhum dano na moto com injeção eletrônica, e o problema for exclusivamente algum sensor que trabalhou abaixo da tensão mínima, o cara mal intencionado fará o procedimento descrito pelo fabricante no manual de oficina, longe dos olhos do proprietário:


Ele colocará o motor em ordem em menos de 5 minutos, sem desmontar nem trocar peça alguma, e depois cobrará o valor de uma caríssima central eletrônica nova, ou então cobrará o "trabalho" de recalibração da ECU — dinheiro fácil. 

Tome cuidado com esse golpe.


É uma maneira muito fácil de esfolar um cliente, que desconhece e não tem obrigação de conhecer esses macetes.

O cliente não tem obrigação de conhecer, mas o prestador de serviço tem obrigação de ser honesto — mas você conhece aquela história de alguns brasileiros quererem levar vantagem em tudo, cerrto?


Conheça sua moto (ou carro) e não caia nesses contos do vigário modernos.

Um abraço,

Jeff e Daniel

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