segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

O mau exemplo que vem de cima de uma moto

Pilotar com o capacete solto na cabeça é a mesma coisa que pilotar sem capacete.

Num tombo, capacete é a primeira coisa que voa, você vem logo atrás.

O capacete se manda e sua cabeça é a primeira coisa que bate no asfalto.

Então é péssimo que aqueles que deveriam dar o bom exemplo façam esse tipo de coisa:
Vídeo e reportagem: https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2020/02/24/bolsonaro-comete-infracao-de-transito-ao-andar-de-moto-com-capacete-solto-em-guaruja.ghtml

O pessoal das relações públicas lá de Brasília já disse que não vai comentar — perdem a oportunidade de reverter e minimizar o estrago, perpetuam o erro sem remissão. É com ss, eu conferi.

Não é questão de ser contra fulano ou sicrano, nem de apoiar sicrano ou beltrana.

A autoridade máxima do país não deveria dar mau exemplo, ponto final.
Imagem e reportagem: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL100590-5601,00-LULA+POSA+PARA+FOTOS+COM+MOTO+ESTILIZADA.html

Não importa que seja só uma pose para os fotógrafos e ninguém vá pilotar de verdade, quem vê a imagem só vê uma coisa: 

O cara sem capacete no comando de uma moto, o cara com o capacete solto no comando de uma moto.

A mensagem dada: liberou geral.

Poxa, o bom exemplo deveria vir de cima.

Infelizmente, a preocupação em dar bons exemplos não passa pela cabeça do pessoal lá de cima.

Usar capacete sem afivelar é a mesma coisa que rodar numa moto sem freios.

Na hora em que você mais precisar, vai fazer uma poooota de uma falta.

Arrependimento não mata... 

O lado bom (bom?) é que sem capacete, o arrependimento só dura uma fração de segundo, depois nunca mais.

Um abraço,

Jeff

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Cruzamentos em ladeiras

Outro acidente com reportagem 'muito informativa' do G1: "As causas do acidente não foram divulgadas."
Imagem e reportagem: G1

Como não sou o G1, eu arrisco dizer a causa do acidente fazendo uma análise simples do local e das imagens.

Este é o cruzamento da avenida Getúlio Vargas com a rua Antenor Navarro na cidade de Campina Grande, Paraíba:
Imagem: Google Maps

O motociclista estava na Antenor Navarro, a rua onde a imagem foi feita, e colidiu contra a lateral do ônibus que descia a Getúlio Vargas. 

É um cruzamento com semáforos, portanto alguém atravessou o vermelho — e sendo o local um cruzamento em uma ladeira onde a avenida é preferencial, posso afirmar com 95% de certeza que o ônibus atravessou o farol no vermelho.

Então o motorista do ônibus é 100% culpado, ponto final?

Não, e explico o porquê.

A Getúlio Vargas é uma ladeira e quem vem pela Antenor Navarro não tem visão de quem está descendo a ladeira (lado esquerdo da foto).

Ônibus (e caminhões) são veículos pesados e não conseguem parar rapidamente — ainda mais descendo uma ladeira.

Frear bruscamente um ônibus pode derrubar os passageiros, uma situação que o motorista inconscientemente irá evitar.

Então, ao ver o semáforo fechando para ele, com o ônibus em uma ladeira, os motoristas (todos os motoristas) fazem um cálculo de probabilidades e escolhem a opção mais razoável para eles, que geralmente é seguir em frente:

Passar no amarelo ou logo depois de o sinal ficar vermelho não irá causar um acidente porque os carros estão parados e irão demorar alguns segundos para começar a atravessar o cruzamento, e ninguém em baixa velocidade vai entrar na frente ou na lateral de um ônibus...

Só que esse cálculo não considera motos

Motos são ágeis.

Motos aceleram rápido, conseguem arrancar rapidamente muitas vezes ainda antes de o sinal ficar verde, cortam entre os carros parados com rapidez, e os motociclistas também fazem o seu próprio cálculo de probabilidades:

Ninguém vai passar no vermelho, todos os carros irão começar a parar assim que o sinal ficar amarelo.

Só que esse cálculo não considera ônibus. 

Ônibus (e caminhões) são pesados e difíceis de parar.

Muitas vezes estão rodando com freios desgastados ou com carga acima da máxima recomendada, o que piora ainda mais a situação.

E o resultado são acidentes como este.

Para não cair nesse tipo de armadilha, sempre verifique se realmente todo mundo parou, ou vai conseguir parar, antes de atravessar o cruzamento — ainda mais se a outra via for uma ladeira.

Não caia na armadilha do "não vou reduzir para não perder o embalo". 

Como disse, tenho 95% de certeza de ter acontecido isto, desrespeito à sinalização, porque é assim que a maioria dos acidentes em cruzamentos acontecem — independente de serem em ladeiras ou locais planos.

Os outros 5% são causados por falhas na própria sinalização.

Mas no caso dos ônibus e caminhões em ladeiras, há uma tendência para esse tipo de ocorrência por conta da dinâmica da condução desse tipo de veículo, ele induz os motoristas a esse comportamento potencialmente fatal para nós, motociclistas.

Então a solução é nunca confiar que a preferência seja sua, mesmo que o semáforo esteja verde para você e sua moto.

E tem também as colisões de moto contra moto.

Mas esse é um assunto para outra postagem.

Um abraço,

Jeff

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

O acidente da T-9

No dia em que o blog voltou a ser publicado, ocorreu um acidente trágico em Goiânia que eu creio que valerá a pena entender como aconteceu para que ajude a evitar que ocorra com outros motociclistas:


Reportagem: https://g1.globo.com/go/goias/transito/noticia/2020/02/11/motociclista-morre-apos-acidente-de-transito-no-setor-bueno-em-goiania.ghtml

Segundo a reportagem do G1, a moto bateu contra a traseira de um carro que parou para um pedestre passar, apesar de o semáforo estar aberto para carros e motos.

E numa atitude rara, as autoridades de trânsito admitiram que o acidente pode ter sido causado pela sinalização confusa no local, com duas faixas de pedestres em um intervalo de 10 metros.

Na verdade, a situação é ainda pior, são três faixas de pedestres em menos de 50 metros:


Imagem: Google Maps

A primeira faixa fica antes do cruzamento da avenida T-9 com a rua T-30, e o semáforo fica posicionado lá na frente, depois do cruzamento e da segunda faixa.

Essas duas faixas têm semáforos para pedestres sincronizados com o semáforo principal do cruzamento.

A terceira faixa, aquela que não deveria existir, está 10 metros à frente, não possui semáforo para pedestres, e foi onde ocorreu o acidente.

Por que ela está lá? 

Para atender ao fluxo relativamente grande de pessoas que se dirige à emissora de TV e se recusa a caminhar 10 metros a mais para atravessar a avenida na faixa do cruzamento porque... pedestres são e continuarão sendo pedestres.

Foi nessa faixa redundante que a motorista parou para a passagem de alguém.

Culpada a motorista?

Não. 

O pedestre pode ter atravessado distraído, podia estar falando ao celular (muito comum), pode ter ameaçado atravessar correndo para bater cartão, pegar o ônibus... há mil motivos para a motorista decidir parar o carro naquela faixa de segurança.

O principal motivo: 

Motoristas (e motociclistas) são obrigados a respeitar a faixa de pedestres.

Quem atropela alguém na faixa acaba arcando com a indenização por danos físicos e morais com agravante de não prestar a devida atenção à sinalização local — e também acaba arcando com o pagamento dos honorários do advogado da vítima.

Seria diferente se o pedestre estivesse fora da faixa — nessa situação, mesmo que a moto estivesse andando no corredor com o trânsito parado, o pedestre seria responsabilizado por contrariar o artigo 69 do Código de Trânsito Brasileiro: culpa exclusiva da vítima. Fonte: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=ATROPELAMENTO+DE+PEDESTRE+NA+TRAVESSIA+DE+FAIXA

Mas note que a vítima somente seria responsabilizada se a moto estivesse em velocidade compatível com as condições no momento — passar que nem doido pelo corredor cai naquela área cinzenta e aí a sentença dependerá da interpretação do juiz, muito possivelmente o motociclista será responsabilizado.

Como o acidente da T-9 poderia ter sido evitado?

Três fatores, o primeiro e o principal deles:

1) Foco na pilotagem. Foco exclusivamente na pilotagem.

Testemunhas afirmam que o motociclista cumprimentou outro motoboy no cruzamento.

Essa distração por uma fração de segundo ao buzinar para um amigo fez toda a diferença.

O que poderia ter ficado somente em uma freada brusca, uma desviada de emergência, eventualmente até uma colisão leve, acabou resultando em um acidente fatal — totalmente evitável se o foco do piloto estivesse voltado exclusivamente para o trânsito.

Já postei este vídeo em uma postagem antiga, mas ele ilustra tão bem um acidente deste tipo que vou repeti-lo aqui, olhada lateral e acidente aos 1:13:

Esse acidente do vídeo só não foi fatal porque a motinha não estava na mesma velocidade que aquela outra que fez a ultrapassagem logo antes do acidente.

Então aí entra o segundo fator que poderia ter salvado uma vida:

2) Manter-se dentro de limites de velocidade razoáveis. 

Para quem trabalha com a moto, não há caixinha extra que compense um único acidente, não se mate para fazer mais uma ou duas entregas por dia, o risco não compensa. 

E não tenho a informação, mas um terceiro fator pode (ou não) ter influenciado o desfecho do acidente da T-9:

3) Capacete firmemente afivelado.

Motoboys costumam rodar com o capacete desafivelado ou frouxo para facilitar o trabalho — desafivelar e prender novamente o capacete rouba alguns segundos a cada entrega...

Mas o capacete é a última barreira entre seu cérebro e o asfalto ou a traseira de um carro — na hora do acidente, o capacete mal afivelado é a primeira coisa que voa e não dá tempo de fazer mais nada. 

Capacete voou, você já era.

Então sempre considere esses 3 pontos quando for sair com sua moto, seja a trabalho, seja a passeio. 

Um abraço aos leitores, e meus sentimentos à família do motociclista de Goiânia,

Jeff

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

O maior impacto de todos os tempos

Outro dia comentei aqui no blog sobre minha descoberta da causa real da Extinção Permiana, a mãe de todas as extinções — muito, muito pior do que aquela que acabou com os dinossauros. Que não eram aves...

A extinção do Cretáceo matou 70% da vida nos mares e outros tantos da vida na terra — já a extinção do Permiano matou 96% da vida marinha e 70% da vida terrestre, uma mortalidade sem igual.

A Ciência admite que a causa foi uma atividade vulcânica sem precedentes na Sibéria, acontecida por mero acaso.

Mas o que eu descobri foi a causa dessa atividade vulcânica anormal que gerou um mar de lava quase do tamanho do Brasil: 

Encontrei evidências de crateras de impacto tão grandes, mas tão grandes, que todo mundo vê as frações delas no Google Earth e não percebe que se tratam das marcas da explosão de asteroides que caíram na Terra há cerca de 252 milhões de anos.

Imagem: Comparativo de diâmetro entre as crateras da extinção cretácea Chicxulub e Shiva (esta última proposta pelo geólogo Sankar Chatterjee e ainda não oficialmente reconhecida) acima e as crateras propostas nesta teoria, Tarim e Wegener abaixo na imagem

Meu pensamento inicial era de que a causa seria unicamente a cratera Tarim, também apresentada neste estudo, e vizinha do derrame de lava na Sibéria. 

Mas aí encontrei evidências que permitem datar em 251,0 ± 2,6 milhões de anos a cratera Wegener (nome proposto em homenagem ao descobridor das placas tectônicas que formam o planeta — o movimento dessas placas é fundamental para entender os processos de deformação e fragmentação das crateras).

Imagens: Google Earth, Antártida sem gelo, Placa de Nazca (em Wikipedia): Cratera fragmentada em 4 locais com círculos de 4.600 km sobrepostos

Se esta teoria for confirmada, será a maior descoberta científica deste século — pelo menos até agora.

E você pode ler a íntegra da minha pesquisa em dois blogs que criei, condensando quase 100 páginas de um livro que ninguém ousou publicar.

Os leitores do Minha Primeira Moto serão os primeiros a tomar conhecimento desse conteúdo, mas se quiserem comentar, comentem naquele blog — eu não tenho acesso aos comentários feitos aqui neste blog porque as mensagens caem na caixa de entrada da conta de email que foi hackeada.

O endereço do blog em Português é extincaopermianaporasteroide.blogspot.com

Para ler em Inglês, o endereço do blog é permianextinctionbyasteroid.blogspot.com

Prometo tentar esclarecer todas as dúvidas, afinal, o assunto é bastante técnico e menciona alguns processos geológicos que não pude explicar em detalhes.

Um abraço, e espero que alguém mais se divirta tanto quanto eu ao montar as peças desse quebra-cabeças planetário,

Jeff

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Meu pior tombo e a importância de usar equipamentos de proteção

Bom, agora a parte que todo mundo estava esperando, o tombão.

Felizmente uma câmera no local flagrou o momento em que fui ao chão:

Na hora em que a roda desgarrou, não deu tempo de pensar em mais nada, e enquanto eu via as pedrinhas rolando na viseira do capacete, meus pensamentos foram apenas dois.

Felizmente, um gravador no local registrou meus pensamentos:

NÃO!!!! NÃO!!!!.... que legal, o capacete está funcionando!

O local do acidente foi este aqui, na Serra do Ribeira:
Essa estrada corta o parque até a cidade de Apiaí, onde começa o Rastro da Serpente.

O estrago na Jezebel foi este:

Para-lama quebrado (agora o dianteiro, o traseiro já tinha sido remendado com arame na mesma viagem), os dois espelhos, os dois piscas do lado direito ficaram pendurados e acabaram caindo pelo caminho, os alforjes rasgaram na emenda, o cabo do velocímetro se soltou na pancada com a placa... 

E falando na placa, ela foi a grande heroína do dia:
Não dá para ver direito na foto, mas depois dela tem um abismo.

Se não fosse a placa, Jezebel teria deslizado para o abismo, um tombo de uns 100 metros, pelo menos.

Com a escapada da roda, ela desviou para a direita e bateu contra a placa, enquanto eu deslizei junto, mas do lado da estrada — o maior risco que corri foi ser atropelado por uma onça, porque na estrada não passava ninguém.

Não passava ninguém e eu preso embaixo da moto, sem conseguir sair.

Quase quebrei as costelas, a primeira coisa que fiz foi avaliar se tinha quebrado ou não — a segunda foi desligar o corta-corrente com o pé livre, o outro preso embaixo da moto.

Cabeça fria nessa hora: 

Se eu me levantasse afobado, uma costela quebrada poderia se deslocar e perfurar o pulmão, e aí eu estaria no mato sem cachorro. Só onças.

Depois de apalpar e ter certeza de que as costelas não estavam quebradas, mas poderiam estar trincadas (porque a dor era muito forte), começou a luta para sair de debaixo da moto vazando combustível... tudo era urgente e eu não conseguia fazer nada com rapidez.

E por que eu não conseguia me levantar?

Porque o pé livre não conseguia fazer força... eu estava usando botinas desse tipo aí embaixo (não eram da mesma marca, mas o modelo é parecido):
Bonitinhas e baratinhas, mas com um sério problema se você for viajar em uma estrada com onças:

No tombo, a bota deslizou no pé e ficou no meio do caminho, não entrava nem saía do pé.

Deitado eu não conseguia calçar de novo porque ela entra muito justa, nem tinha como tirar de vez porque não tinha ponto de apoio e a dor nas costelas impedia de me sentar ou fazer força.

Felizmente os outros equipamentos funcionaram bem.

O capacete robocop aguentou a pancada e protegeu muito bem o meu rosto. 

Eu sempre achei que a queixeira seria arrancada no caso de um tombo — e também sempre achei que nunca iria cair — mas de moto, nunca pense em nunca acontecer um acidente, use sempre os equipamentos de proteção.
E a queixeira realmente quase foi arrancada durante a queda. 

Ela quebrou na articulação — se eu estivesse uns 10 km/h mais rápido, a outra articulação sozinha não teria aguentado, a queixeira seria arrancada e eu certamente teria me machucado.

Moral da história: 

Capacete robocop nunca mais, o conforto não compensa o risco.

Quem também se portou muito bem foi a jaqueta de couro, fez o trabalho dela com perfeição e ganhamos estes registros de batalha que nos enchem de orgulho:
E o que causou tudo isso?

Acredite se puder, aquelas pedrinhas ridículas que resolveram se soltar na nossa frente — e o uso de medicação contra dores que prejudica nossa capacidade de julgamento e reação.

Desviando de um buraco, ficamos muito perto da lateral suja da estrada, e não deu tempo de fazer mais nada, só ir pro chão colecionar mais uma história.

Aquelas pedrinhas ridículas no canto direito da foto — Jezebel está na contramão, virada em direção da subida para não cair do cavalete, a serra é íngreme e em descida nesse trecho.
Depois que consegui sair e me levantar, e com dificuldade e muita dor calçar novamente a bota, aí do nada apareceram dois carros e em seguida mais um.

O pessoal dos dois carros me ajudou a colocar a moto em pé e o pessoal do mais um se mandou.

Foram os primeiros que bateram estas fotos, menos a do tombo e a vista da serra, e me ajudaram a prender os alforjes caídos em cima da moto com os elásticos que eu sempre carrego.

Eles que perceberam que eu e a Jezebel quase tínhamos caído no abismo.

Duas semanas antes, um motociclista e sua moto caíram em outra barroca da mesma estrada e só foi resgatado porque ficou horas chacoalhando uma árvorezinha comprida e um motorista desconfiou que aquilo não era coisa de macaco.

Depois de ter certeza de que eu conseguiria subir de novo na moto e ligar o motor, e eu dizer que estava tudo bem, eles foram embora, gente boa — até endireitaram a placa para que ela continuasse avisando o pessoal sobre a curva logo à frente. E quem sabe segurar alguma outra moto...

Depois de alguns dias me enviaram as fotos porque eu havia passado meu email atual ainda não hackeado e já estava pensando na postagem que iria estrear de novo o blog...

Eu disse que estava tudo bem, mas não estava não.

A dor era muita, agora na coluna e também nas costelas. Costelas dóem pacas.

Subi na moto e percebi que não havia removido o cabo do velocímetro que estava arrastando no chão.

Descer e subir de novo com a dor que eu estava? Nã nã nã. 

Pisei no cabo e acelerei a moto, ele ficou por lá mesmo, consciência pesada de poluir a natureza, mas era questão de sobrevivência.

Agora eu iria mesmo chegar a Apiaiaiai com a noite caindo, não tinha como ir ligeiro, cada buraquinho e pedregulhozinho da estrada eram motivo de dor intensa... eu não podia escorregar nas poças de lama, eu tinha de chegar rápido até o hospital e bater uma radiografia naquelas costelas.

Mas nessas horas tudo ajuda, e do nada no meio de lugar nenhum surgiu uma onça um filho de cadela que começou a me seguir e avançar contra o pé que eu não podia dar uma bicuda por causa da dor. Espaço reservado para protestos de defensores de animais que não pilotam motocicleta.

O totó não desistia e eu não tinha como fugir dele, até que tive a ideia de acionar a embreagem e acelerar ao máximo. Jezebel não é veloz, mas sabe como fazer um barulhinho bom.

Cheguei no hospital e uma enfermeira percebeu que eu não estava visitando um parente, então me ajudou a descer da moto. 

Atendimento preferencial para idosos estropiados, radiografias tiradas, costelas inteiras, pensei que ia receber um colete de gesso ou pelo menos um enfaixamento para diminuir as dores.

Costela não pode enfaixar. Pelo menos, não no meu caso. Ia ter de conviver com a dor. Um mês inteiro de dor, acordando a toda hora por causa da dor.

E aí, medicado contra dores de novo, vem a questão: o quequeu faço?

Eu TINHA de ir até Floripa para receber meu pagamento, ou não teria como voltar para casa.

A noite de quinta-feira eu passei no hotel emendando as duas metades dos alforjes com laça-gatos, felizmente eu tinha levado uma dúzia deles. Furava o couro corvim com a chave de fenda e suturava com os laça-gatos.

O conserto ficou tão bom que eles estão lá até hoje. Emendados e remendados pela segunda vez. 

Chegou a madrugada, hora de dormir, hora dos caminhões que levam madeira para as padarias e pizzarias começarem a subir a ladeira em frente ao hotel. Noite inteira sem dormir, e com dor.

Sexta-feira pela manhã, éramos os primeiros na loja/oficina de motos de Apiaiaiai.

Peripécias para conseguir que minha filha fizesse o pagamento do conserto sem poder falar diretamente com ela, tipo email sem fio via balconista da loja.

No final da história, consertos realizados, Jezebel ganhou um para-lama amarelo que odeio até hoje e tive de comprar o único capacete que entrou muito apertado na minha cabeçona gorda.

Fomos os primeiros a entrar na oficina e só saímos quando perdi a paciência às três da tarde e fui buscar a moto lá dentro da oficina, eu precisava chegar até Floripa ainda naquela noite porque tinha o compromisso de me encontrar com minha amiga e fonte pagadora no dia seguinte.

Estavam esquentando o motor para lavar a moto. Pois é, não pergunte. Não tem explicação.

Chegamos em Curitiba já estava anoitecendo e ainda tínhamos 300 km pela frente, com dores, cansado e com problemas para digerir aquela maldita coxinha de beira de estrada.

O cansaço era tanto que diminuí o ritmo para poder ficar atrás de um caminhão cheio de luzes sem ter de decidir o que fazer, apenas não perder as luzinhas de vista.

Depois de uns 50 km o motorista desconfiou da moto que o seguia e parou no acostamento, acabei parando junto, foi uma luta conseguir sair dali.

Chegando em Palhoça, rodei a cidade inteira várias vezes procurando o hotel que eu conhecia o caminho de cor.

Mas de noite e tão cansado, eu não sabia mais para que lado estava a serra e para que lado estava o mar, e de madrugada não tinha para quem perguntar.

E ainda por cima, sob os efeitos desesperadores da coxinha de Curitiba.

Acabamos morrendo em um motel na BR-116 ops, BR-101 lá pelas 6 da manhã onde pude tomar um banho. E lavar as roupas — coxinha em Curitiba, nunca mais. 

Jezebel ficou na garagem (não passava pela porta da suíte) e o motel tinha um degrau daqueles que você não vê e fui para o chão, onde fiquei me perguntando why, God, why?

Mas no final final deu tudo certo, até recuperei o blog um ano depois, e estamos aqui para contar a história.

É como diz a camiseta que eu usei na viagem:
Continue rodando, nunca desista

"Ué, falou tanto, mas cadê a jaqueta?"

Motivos religiosos.

Minha religião não permite usar jaqueta em trajetos inferiores a 5 km. Se eu cair de casa até a padoca, eu fiz por merecer.

Aproveito para mandar um forte abraço aos meus amigos Daniel e Meri que bateram as fotos e me deram sustança enquanto estive por lá, e agradeço aos leitores pela paciência de ouvir até aqui,

Jeff & Jezebel

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Uma aventura cheia de buracos com direito a precipício

Ontem eu não expliquei como recuperei o acesso ao blog... foi macumbaria tecnológica do meu amigo Vinícius que eu demorei a conseguir colocar em prática. É bom ter amigos que mexem com computador. ("Mexer com computador" é a frase que mais irrita um profissional de TI. Mas se não sacanearmos os amigos, qual a graça? Muito obrigado mais uma vez, Vinícius!)

Bom, a história de hoje começou na BR-116.

Sabe aquela via onde até motos pagam pedágio para a concessionária garantir a qualidade do asfalto? Tá bom.

Não fazia muito tempo que tínhamos saído do Graal Japonês e, antes de chegarmos a Santa Rita do Ribeira, passamos por um buraco no asfalto pedagiado que era tão grande, mas tão grande... que o pneu traseiro bateu contra o para-lama.

O para-lama de plástico de alta qualidade prástico vagaba da Jezebel quebrou e a placa ficou pendurada pelo lacre, batendo na roda — e a capa do escape rompeu a braçadeira e ficou arrastando no chão.

Se foi ruim pra ela, imagine para a pobre coluna vertebral do esqueleto bem fornido que vos tecla.

Improvisei um reparo com elástico fru-fru e laça-gato (nunca saia de casa sem eles), e no primeiro posto fiz um bom reparo com arame. Na moto, não na coluna.

Almocei em Juquiá e desviamos para a SP-165.

Ao chegarmos a Sete Barras, onde por um trecho ela se chama SP-139, caí na besteira de pedir informação no posto ipipiranga. É, aquele mesmo.
Imagem: google maps errados. 
A seta laranja é a Jezebel e o ponto preto é o meu capacete. 
E eu sou aquela forma aerodinâmica azul entre o capacete e a Jezebel.

No posto disseram que iríamos encontrar a estrada para Eldorado no ashjsoubiu nhanfaru a ponte.

“Onde????”

“Ashjsoubiu nhanfaru a ponte.”

É, eu devia ter tirado o capacete para ouvir melhor. 

Agradeci e segui em frente, pelos gestos eu entendi que precisava virar à direita em algum lugar perto da ponte.

Se ele mencionou a ponte, então devia ser depois da ponte... não faria sentido falar em algo antes da ponte.

Mas um pouco antes da ponte, apareceu uma placa apontando Eldorado por uma estrada de terra feinha que só ela... não podia ser isso.

Então passei pela ponte, avancei um bom trecho, mas nada de estrada lateral, então devia ser mesmo aquela estradica com a placa logo antes da ponte.

Como não uso celular, fiz um esforço mental e relembrei o mapa do google, eu havia estudado o percurso por vários dias, a estrada asfaltada era mesmo antes da ponte.

Imagem: google maps errados até hoje

“Deve ser só um trecho inicial feinho de terra”, pensei eu.

O trecho inicial foi ficando cada vez menos inicial e cada vez mais feioso, chegou um ponto em que achei que não valia mais a pena voltar, o fim do suplício devia estar próximo. Não estava, ainda tinha uns 20 km até a primeira cidade.

Até hoje o mapa do google mostra asfalto (estrada preferencial amarela) onde é terra, e terra (estrada secundária branca) onde na verdade é asfalto — confira no google street view. Eternally grateful, google...

Foram 35 km da pior estrada de terra que você imaginar, com vários trechos de subidas e descidas aterradas com pedriscos em que a moto ia para onde bem entendia — Jezebel queria mesmo era fugir dali.

Sem contar que quase perdi a vida nos vários mata-burros... 
Imagem: Mata-burro pra quem não conhece. Mata-burros matam burros e motociclistas.

As costelas de vaca (não de boi) eram tão ruins que comecei a ter medo das conexões elétricas se soltarem, os parafusos afrouxarem, as porcas voarem, a moto começar a se desmanchar no meio da estrada, e nós rodeados por bananas. 

Bananas longas frutas amarelas, porque não havia uma alma por perto, nem ao menos um posto ipipiranga. Bananas.

Ao chegarmos a Eldorado, minha coluna estava abrindo o bico de papagaio — tive de recorrer a um analgésico forte para seguir viagem. 

Pior burrada, como se verá.

Pilotar uma moto sob efeito de medicação para dor pode ser fatal, algo que eu já sabia, mas não tinha escolha — além de rever os amigos, o outro objetivo da viagem era receber um pagamento que não pôde ser feito por depósito bancário... ou eu chegava a Floripa, ou não teria como voltar para casa.

Bom, até poderia voltar, mas nos dias seguintes não teria o que comer, o que seria um problemão.

Na farmácia o assunto foi a precariedade da estrada, mas o pessoal estava animado, isso ia mudar.

O deputado nascido por lá e que nunca fez nada pelas estradas da região agora tinha sido eleito para um cargo importante lá em Brasília — acho que presidente, sei lá, faz tempo que eu desisti de acompanhar a política.

O homem passou o fim de semana na terra natal e prometeu fundos e mundos.

Disse que ele faria a coisa mudar — e os coitados que acreditaram na promessa estão esperando alguma ação do governo federal até hoje.

Só no final do ano passado disseram que ia sair uma merreca do governo paulista, menos de 200 milhões para toda a enorme região do Vale do Ribeira. 

Só vai dar para pagar as placas anunciando as obras, que por lá são grandes. As placas. As obras são só tapa-buraco. Buracos mal tapados, ainda por cima.

No caminho para o Parque do Ribeira fui contemplado com outro buraco, um buraco camuflado no meio de outros buracos que me fez sentir saudades do primeiro buraco lá da BR — até parei para ver se o buraco tinha danificado a roda, foi difícil sentar na moto de novo. Hummm... ficou esquisito.

Cheguei à pequena Iporanga, 4.333 habitantes, e a moto não deu partida depois da parada obrigatória da tubaína da tarde.

A conexão de carga da bateria realmente tinha se soltado com a vibração e a bateria tinha morrido, felizmente foi um problema fácil de achar e resolver, só apertar de novo o conector e fazer a moto pegar no tranco.

Precisei apertar bem apertado para não arriscar ficar sem farol nem partida no meio da serra, não seria uma boa tentar dar partida no tranco num lugar cheio de onças no caminho para Apiaí. Se bem que a motivação seria forte.

Fiz o conserto morrendo de cansaço e dores, então tomei mais comprimidos e ganhei o conselho do frentista do posto (a parada obrigatória da gasolina da tarde):

“Vai atravessar o parque? A estrada é muito ruim, se eu fosse você eu não passava lá de moto. Nem de carro.”

“Pior do que a estrada até aqui?”

“Muito pior. Põe pior nisso. Nem ambulância passa por lá.”

Devia ter aceitado o conselho, ele não estava exagerando.

Com a buraqueira, minha coluna só piorava e o que eu mais queria era chegar até Apiaí para pernoitar e torcer para as dores sumirem durante a noite.

Pilotar uma moto sob efeito de remédios e com o foco fora da pilotagem — eu só pensava nas dores e na urgência em cair na cama — é um dos maiores erros que podemos cometer.

Um erro que pode ser fatal, aprenda comigo.

O percurso através da mata cerrada do Parque Estadual foi ainda mais demorado e sofrido, até que chegamos a um trecho em que a estrada melhorou um tiquinhozinho de nada.

A serra quase escurecendo, eu querendo chegar em Apiaí antes do fim da luz, pensamentos chegando lá antes da moto, por puro desespero comecei a aumentar a velocidade um pouco mais na medida em que a terra melhorava.

Minha percepção prejudicada pelos remédios dizia que eu não estava correndo, talvez uns 40 km/hora (mas talvez fosse um pouco mais) — foi o suficiente.

No meio da estrada tinha umas pedrinhas...

Pedrinhas bestas, nada comparável nem de longe ao que já tínhamos passado para chegar até ali — antes de tomar a medicação.

A estrada não tinha acostamento, muito menos guard-rail, e as pedrinhas ficavam do lado de um precipício na serra...

De repente, não mais que de repente, a roda dianteira desgarrou e fomos pro chão como duas jacas pachorrentas.

E na próxima postagem eu conto o desenrolar do drama. E o rolar das jacas.

Spoiler: Sobrevivemos quase inteiros e temos fotos pra mostrar.

Um abraço,

Jeff

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Não, Jezebel e eu não morremos

Mas foi por muito pouco.

Antes de tudo, uma explicação há muito devida aos nossos leitores:

Logo após a última postagem em 19/11/2017, hackearam minha conta do gmail — fiquei sem acesso ao blog e perdi todos meus contatos comerciais e sociais.

Tentei recuperar inúmeras vezes mas, se tem uma coisa que o google não prima, é pela inteligência no relacionamento com seus bloggers/usuários.

Todas minhas tentativas para recuperar a conta foram descartadas, apesar de eu fornecer exatamente as informações solicitadas... aqueles dados que eles pedem para recuperar a conta não servem pra nada.

Mergulhei numa depressão sem tamanho que se arrastou por meses. Thanks, google.

Para me livrar da depressão antes de fazer uma besteira, mergulhei nos estudos do meu assunto predileto em vez de falar mal da ho... em vez de falar de motos.

Acho que isso foi providencial, porque consegui atingir um objetivo que eu perseguia desde meus 13, 14 anos (faz tempo...) Não me pergunte há quantos anos, não consigo trabalhar com números grandes.

Descobri a causa real da extinção do Permiano, a mãe de todas as extinções, aquela que foi capaz de deixar a extinção dos dinossauros com vergonha, ocorrida há 251,0 ± 2,6 milhões de anos (da qual fui testemunha ocular):


96% da vida marinha e 70% da vida terrestre viraram poeira sem uma explicação convincente.

Botaram a culpa numa atividade vulcânica sem precedentes na Sibéria, mas ninguém tinha descoberto o motivo dessa atividade fora do comum. Até agora.

Sim, atingi o objetivo maior da minha vida e encaminhei o estudo para as maiores autoridades no assunto — dever cumprido, estou realizado, agora a bola está com eles, posso morrer em paz.

E falando em morrer, foi nesse meio tempo que eu e Jezebel quase morremos.

Em março de 2019, fomos até Floripa para rever os amigos.

Com as BR-116, 376 e 101 já com as curvas e paisagens decoradas, saí um dia mais cedo a fim de poder me aventurar por uma estrada turística até Apiaí para depois seguir até Curitiba pelo Rastro da Serpente e depois o Vale Europeu catarinense antes de retomar a 101.

Jezebel nunca havia passado por lá, só a Edith, e eu só tinha feito a vinda de lá pra cá (a paisagem daqui de SP pra lá é melhor ainda, e a rodovia estava um tapete, quase totalmente recapeada).

A tragédia foi optar por chegar até Apiaí via BR-116 / SP-165 via Sete Barras / Eldorado / PETAR - Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira...

O trecho final da estrada é de terra e o estado de conservação do trecho asfaltado é nulo.

No meio do parque tem uma serra e no meio da serra tem um abismo...

Mas vou deixar para contar o drama na próxima postagem, senão ela vai ficar muito longa e vocês sabem que não sou de fazer postagens longas... acho.

Um abraço, e nos perdoe pela longa ausência,

Jeff & Jezebel