quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Como funciona a válvula de segurança do filtro de óleo cartucho?

Acordei de madrugada com um sonho terrível:

Eu fazia parte da tripulação da Enterprise nova geração — aquela abominação — e eu estava de rolo com a B'Elanna — até aí, tudo bem. Eu sei, Voyager não é TNG, mas sonho é sonho e estava bom demais.

Ao sermos teleportados para um planeta classe M — aqueles que convenientemente dispensam trajes de proteção e reduzem o custo das filmagens — fomos atacados por um grupo hostil:

Didi, Dedé, Mussum, Zacarias e Costinha.

Pois é, o Costinha ali não fazia sentido... e ainda assim ele conseguia ser o melhor do grupo.

Sonhos geralmente não fazem sentido, a menos que sejam um alerta de nosso subconsciente — e entendi que o alerta era de que alguma coisa errada estava passando despercebida.

E a primeira coisa que me veio à cabeça às 4:30 da matina foi a postagem de ontem e seu complemento programado para hoje, que vou manter conforme escrita originalmente, mas farei acréscimos intuídos depois desse pesadelo.

A válvula do filtro cartucho mostrada no vídeo de ontem faz parte de um dispositivo de segurança que se desloca conforme a contrapressão causada pelo acúmulo de sujeira em filtros de óleo do tipo cartucho.
Imagem: https://santacruz761.wordpress.com/2010/04/15/filtros-do-automovel-parte-2-filtro-de-oleo/ — lá também há vídeos interessantes explicando o papel do óleo dentro do motor.

A válvula de segurança atua assim:

Se as partículas resultantes do desgaste do motor se acumulassem a ponto de bloquear totalmente a passagem do óleo através dos poros do elemento filtrante de papel, o cabeçote e componentes vitais trabalhariam a seco e o motor se fundiria.

Para evitar isso, a válvula de segurança atua movida pela contrapressão para bloquear a entrada do filtro e permitir que o óleo ainda não filtrado seja liberado para as partes vitais do motor via passagem direta por fora do filtro.

Melhor óleo sujo do que nada — mas esse é um recurso para uso por pouco tempo em uma emergência, tipo uma longa viagem na estrada.

Na postagem de ontem eu disse que "se os fabricantes recomendam quilometragens para troca longas o suficiente para a válvula de segurança precisar ser acionada, o que deveria fazer somente "em condições de uso extremo", é sintoma de que algo está profundamente errado com esse critério de quilometragem adotado pelos engenheiros."

Em relação a este último parágrafo, preciso fazer uma retratação.

Depois do pesadelo, percebi o seguinte:

A explicação dada pelo mecânico e por mim não se encaixava no quadro geral. Que nem o Costinha no quarteto alienígena.

O mecanismo de ativação da válvula é uma mola.

Molas não reagem à sujeira acumulada, mas à contrapressão formada quando a bomba de óleo é acionada.

Ora, de acordo com o que o mecânico falou, a válvula do vídeo parecia estar acionada sem pressão alguma vinda da bomba... o filtro estava até solto em seu alojamento.

Então a conclusão a que cheguei depois de uma noite bem dormida sem dor de dente graças a Deus e ao anti-inflamatório foi de que aqueles filtros são fabricados daquela maneira.

Aquela válvula de segurança não está acionada — os filtros são construídos assim mesmo.

As superfícies mostradas são a parte fixa da válvula que dá suporte à mola, e não a parte móvel da válvula.


Confirmei isso dando um pulo na loja de motopeças e na concessionária honda para conferir com meus próprios olhos a construção desse filtro.

O que verifiquei é o seguinte:

Essas superfícies internas mostradas no fundo dos filtros são fixas e servem de apoio para a molinha interna do cartucho.

A superfície móvel da válvula é a que vai no lado de contato com o motor — eu mesmo acionei com uma caneta pelo lado oposto e constatei.

Se houver uma contrapressão causada por sujeira que restrinja a passagem de óleo, ela se somará à ação da mola e impedirá a abertura da superfície móvel.

O óleo nem chegará a entrar no filtro, sendo desviado diretamente para a parte alta do motor.

O filtro paralelo vendido na motopeças (22 temeridades) tinha a maior profundidade dessa base da mola, e a concessionária tinha outros dois modelos de filtro, o original importado (55 temeridades) e o nacional Hump (31 temeridades).

O Hump é realmente segunda linha da honda (vem em embalagem lacrada com a marca honda) e tem mais espaço livre na saída que o original honda — mas pouca coisa, cerca de uns 3 ou 4 mm a mais.

Cada fabricante tem uma distância diferente de montagem para essa base da mola.

Como essa superfície é fixa, não existe o risco de que aquela passagem venha a se restringir ainda mais.

E mesmo o filtro com menor área de passagem, o original honda, me pareceu suficiente para dar conta de sua missão sem comprometer a lubrificação.

Então me parece que a preocupação do Furlani é exagerada, talvez resultante do cansaço com que gravou a postagem.

O que me decepcionou um pouco, porque fui obrigado a jogar fora toda uma bela teoria da conspiração elaborada com base no que ele disse no vídeo...


My bad...
Minha premissa de que a válvula estaria acionada estava errada e, neste caso específico do filtro, não dá para acusar a honda de nenhuma prática condenável...

A não ser a quilometragem exagerada recomendada para a troca e o uso de um óleo de viscosidade reduzida para as temperaturas de nosso país, que continuam sendo fatos incontestáveis.

Infelizmente, o vídeo não serve como comprovação...

Voltando à postagem original:

Nem todas as motos usam filtro cartucho com válvula de segurança.

Nas motos que usam filtro do tipo centrífugo, como as CG e dafra de pequena cilindrada, essa válvula não existe porque o próprio movimento giratório do óleo faz esse trabalho.

O filtro centrífugo é uma solução barata e que precisa ser desmontado e limpo periodicamente, algo que os proprietários ignoram e que também abrevia a vida útil dos motores.

Somente a troca frequente do óleo evita que isso se torne um problema, mas as fabricantes se empenham em dilatar esses prazos cada vez mais...

Mas de onde vem essa sujeira que entope o filtro?

Uma parte vem do desgaste normal do motor, e outra parte vem do ar necessário para o seu funcionamento.

O motor aspira continuamente uma enorme quantidade de ar através do filtro de ar.

Nenhum filtro é 100% eficiente, ele sempre deixa passar as partículas que são menores que os poros do elemento filtrante.

Essas micropartículas de poeira são abrasivas — é a matéria prima de que são feitas as lixas.

Elas vão para a câmara de combustão e uma boa parte é expelida junto com os gases de escapamento, e outra parte acaba presa na parede oleada do cilindro e pistão. 

Como o óleo é bombeado para lavar essas superfícies, essas partículas de poeira se acumulam no cárter e são retidas no filtro de óleo junto com as partículas de aço, alumínio, bronze e carvão provenientes do desgaste normal das peças do motor.

Além disso, a umidade está sempre presente no ar, não há filtro viável para uso em motores que consiga retê-la.

Parte dela sempre acabará chegando na forma de vapor ou seus componentes até o óleo.

E os componentes do vapor de água H2O são o hidrogênio H e o oxigênio O.

Todo óleo derivado de petróleo contém enxofre S, e a reação entre H, S e O gera ácido sulfúrico H2SO4, que adora corroer alumínio e tudo que estiver pela frente.

Daí vem a necessidade de trocar com frequência adequada o óleo e também os filtros de óleo e de ar, porque dependendo das condições de uso (excesso de poeira ou umidade), o óleo e os filtros são contaminados com mais intensidade e mais rápido.

Basicamente é por isso que é necessário fazer as trocas do óleo e dos filtros de ar e óleo sempre em intervalos adequados e não excessivamente longos.

E basicamente é por isso que as campanhas das montadoras para uso prolongado do óleo com quilometragens irreais só têm um objetivo — fazer seu motor acabar mais rápido.

Mas existe uma "escola de engenharia moderna" que tem a cara de pau de dizer que o óleo nem precisaria ser trocado, apenas reposto...

Como dizia um infame mau caráter, "uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade".

E é por isso que vemos na internet tanta gente papagaiando informações erradas que eles pensam que sabem.

Alguns o fazem sem malícia por pura credulidade, falta de conhecimento técnico e falta de capacidade de julgamento, enquanto outros são remunerados para essa "nobre" tarefa.

Outra coisa muito importante:

Quando você mesmo troca o óleo e os filtros, você tem certeza absoluta de que os filtros foram trocados.

Qual o cliente de oficina ou concessionária que vai abrir a tampa e conferir se trocaram mesmo o filtro?

Trocar o óleo e apenas embolsar o dinheiro do filtro na certeza de que o cliente voltará em breve para retificar o motor é o tipo de crime quase perfeito que raramente é descoberto. 

As montadoras têm o dever de fiscalizar a qualidade de serviço de suas concessionárias — elas fiscalizam?

E quem fiscaliza o trabalho dos mecânicos autônomos?

Como em todas as profissões, há gente de todos os tipos por aí.

Confiar desconfiando ainda é a melhor coisa a se fazer.

Por isso têm o meu respeito mecânicos honestos que vêm a público denunciar as mazelas que encontram e conscientizar os proprietários, como o Furlani dos vídeos da postagem de ontem e o Madeira que mencionei na postagem da falta de óleo das ktm.

Um abraço,


Jeff

12 comentários:

  1. Quando ví o vídeo, fiquei encafifado com a informação do Furlani, mas não verifiquei. Agora com esta sua postagem, me chamou novamente a atenção e fui verificar os meus filtros de óleo (tenho alguns novos aqui comigo), pois eles são exatamente assim, cartucho, um apoio redondo fixo mais ou menos no meio do filtro e do outro lado há um pequeno dispositivo redondo, pressionado por mola que cede ao se realizar pressão com uma ponta de caneta.
    Nunca tinha observado este detalhe.
    Excelente a sua observação e explicação.
    Abração.

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    1. Obrigado, José Carlos!
      O apoio dos leitores é o meu estímulo para continuar postando aqui no blog!
      Forte abraço,
      Jeff

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  2. Dica para quem quer conferir o serviço das CC's, antes de levar a moto use um esmalte e faça uma maca onde sai a tampa do filtro (de preferência onde fique escondido) ao retirar a moto se o esmalte não tiver rompido eles não trocaram o filtro.

    Obs: não entre em briga a toa afinal será sua palavra contra a deles, podem até dizer que a marca de esmalte foi feita por eles ou depois de te entregar a moto, mas enfim você já saberá se o serviço foi feito como descrito.

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    1. Boa dica, Ygor!
      Repassar as experiências adquiridas para a moçada é uma forma de tornar este mundo um lugar melhor!
      Um abraço,
      Jeff

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  3. Infelizmente não consigo confiar em mecânicos, digo infelizmente, porque gostaria muito de poder confiar, por este motivo, sempre procuro eu mesmo fazer, aprendendo de todas as formas, o que for necessário em minha moto. Pelas ruas vejo motos tortas, desalinhadas e com diversos problemas na relação, na placa, na elétrica, em tudo, até pneu careca ou inadequado. Caraca, parece um pós guerra, tudo ferrado.
    Ví uns videos do Furlani (me perdoe se escrevi errado) ajeitando uma Mirage 250, uma Shadow, sempre buscando o melhor, retirando as más gambiarras ( tem gambiarras que são boas, positivas) e entregando as motos aos donos limpas, reguladas, ajeitadas, independente do tamanho da moto. Isso me deixa satisfeito, mas são poucos e raros os que agem assim. Esse camarada deve trabalhar sozinho por esse motivo, pois se tiver ajudante fica difícil ter certeza da qualidade do serviço.
    Abração.

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    1. Certamente, José Carlos!
      Ajudantes raramente têm o mesmo compromisso com a qualidade do serviço. Eu frequentava uma boa oficina com uns cinco mecânicos contratados pelo dono, e mais da metade das vezes fui obrigado a retornar para que o próprio dono eliminasse o problema original ou o novo problema causado após a intervenção desastrosa dos auxiliares. Teve uma vez que pedi para regularem a vela com folga de eletrodos de 0,7 mm em vez dos 0,5 mm originais de fábrica (é uma regulagem muito importante que os mexânicos não fazem) e o funcionário deixou com 0,07 mm porque não sabia que o 07 gravado no calibrador de lâminas era uma abreviação de 0,07 mm, nem conseguia deduzir algo tão complexo.
      Invariavelmente esses mecânicos saíam da oficina depois de 6 meses pensando que tinham aprendido a profissão e abriam uma oficininha em outro bairro. Invariavelmente quebravam a cara falindo em 3 meses.
      E na cabeça deles a culpa era dos vizinhos invejosos ou da vontade divina, e nunca do despreparo que nem sequer tinham condições de detectar em si mesmos. Falta de escolar que ensine a pensar raciocinando em vez de decorar as matérias que vão cair na prova.
      Um abraço,
      Jeff

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  4. A embreagem de nossas motos pequenas e um grande fornecedor de particulas a serem retidas pelo filtro de óleo. É as Honda 150 (Bros e CG), além do filtro centrífugo contam também com uma peneira que para a limpeza exige a retirada da tampa esquerda do conjunto motor/caixa. Lembro que as séries de 2008 e 2009 apresentaram um nrongrande de motos que fundiam o comando de válvulas. O problema era um lode de discos de embreagem que esfarelavam e entupiam a tal peneira o que levava a falta de lubrificação do cabeçote ( o comando de válvulas era o primeiro a ferrar.

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    1. Bacana essa informação, Nelson!
      É fato, a embreagem é um pacote de discos de aço e de cortiça intercalados. Boa parte da cor preta do óleo usado vem da má regulagem do cabo da embreagem, causando a queima dessa cortiça pelo atrito constante e não somente na hora do acionamento da embreagem (acoplamento / desacoplamento dos discos).
      Mas é bizarro que esses discos tenham se desintegrado, já que a cortiça é um material orgânico muito resistente ao atrito e uniforme em suas propriedades que dificilmente apresentaria tamanho grau de variação de resistência de um lote para outro.
      Se essas falhas fossem somente posteriores a 2008, eu suspeitaria do novo óleo 10W-30. Hummm.... será que as 2008 afetadas foram aquelas que ainda estavam sendo levadas nas revisões em concessionárias e deram problemas porque elas passaram a ser abastecidas indevidamente com o novo óleo?
      Nessas horas que eu gostaria de ter como investigar esses fatos bem a fundo...
      Um abraço,
      Jeff

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    2. Errei os anos dos problemas... as CG e Bros 150 que apresentaram problemas foram as primeiras series de 2004 e 2005 e davam problemas antes dos 10.000 km Acompanhei a historia e os caso d3 amigos. Comprei uma Bros 0km em 2006 ( que veio com o 20w50), justamente após saber através de uma revista que fez um teste de longa duração, que houve um lote de problemas no conjunto de embreagem. Será que o material dos disco é cortiça pura algum tipo de composto?

      Abraços, Nelson.

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    3. Olá, Nelson!
      Cortiça pura. Material de alta tecnologia só em motos esportivas.
      Então pelo ano podemos descartar a influência do óleo.
      Em 2004 / 2005 eu ainda nem estava pensando seriamente em voltar a pilotar, não acompanhava o assunto, então nem fiquei sabendo desse evento. A melhor cortiça do mundo é produzida em Portugal, são árvores nativas na região. Talvez esse lote defeituoso tenha sido causado pela forte seca que assolou a Europa de 2003 a 2005:
      https://pt.wikipedia.org/wiki/Onda_de_calor_de_2003_na_Europa
      Isso deve ter gerado cortiça mais ressecada e quebradiça que o normal.
      Obrigado pelas informações, e um abraço,
      Jeff

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  5. Olá Jeff.
    O que vc faria na seguinte situação:
    De acordo com o manual da moto (refrigeração líquida) vc pode rodar 6000 km e escolher as especificações do óleo. Pode ser desde sintético até mineral, do 5-40 até o 20-50. Naturalmente conforme explicado em todos os seus artigos anteriores, se o uso for severo a troca deve ser reduzida pela metade. Nesse caso, e com todo o seu conhecimento, o que faria. Usaria mineral com troca de filtro a cada 1000 km, ou utilizaria um sintético/semi com troca de filtro a cada 3000 km?
    Pergunto isso pois estou nessa situação. O mineral+filtro em 3000 km custa o mesmo que sintético+filtro, porém tenho q trocar 3x no primeiro caso. E segundo minha natureza preguiçosa deveria estar trocando 1x a cada 3000 hahahahha.
    Abraços!

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    1. Olá, Daniel!
      Se o custo a médio prazo é equivalente, e como eu também acho a troca de mil em mil um porre, eu experimentaria pelo menos uma vez o semissintético 20W-50 com troca a cada 3000 km e inspecionaria a aparência e coloração do óleo aos 1500 km. Dependendo do estado do óleo, aí eu diminuiria o intervalo de troca. Só usaria óleo sintético das mesmas especificações se ele também fosse JASO MA para não ter problemas com a embreagem. Claro, fazendo aquela lavagem do cárter para não ter problema.
      Um abraço,
      Jeff

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