terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O carro sem óleo que pegava fogo por 'erro' de projeto

Problemas de produção como aqueles da postagem de ontem afetam apenas um lote que pode ser identificado, rastreado e reparado via recall.

Mas batatadas na criação do projeto são muito piores porque afetam todos os veículos fabricados com consequências muito graves.

E o reparo pode ser muito complicado, até impossível — veja o que aconteceu com as motos Indian e com os quadriciclos Ranger, e esse é meu grande receio quanto às motos Harley.


Não é este, é pior...
O caso mais saboroso que encontrei na categoria "falha grosseira de projeto" — até agora, porque é só cutucar que aparecem mais bichos-de-conta — é este aqui:

Não, não o da figura...

Coincidentemente, também é da general motors, que na época era a maior montadora americana.

Em 1984 a divisão Pontiac da gm registrou centenas de casos de incêndio no compartimento do motor de um modelo recém lançado, projeto novo em folha, chamado Fiero — feroz em espanhol. Mas de esportivo ele só tinha o jeitão.

Por uma marmotagem do destino a fabricante adotou como símbolo do Fiero uma Fênix, a ave mitológica que ao morrer pegava fogo e renascia das cinzas...

De novo o carro só tinha mesmo a carroceria, porque — visando reduzir custos — a suspensão, o motor e outros componentes foram reaproveitados de outros já existentes. O que não seria nenhum demérito se a adaptação fosse bem feita.

Só que o motor do pacato sedã que doou o órgão não cabia lá dentro e ele teve de ser adaptado — da pior maneira.

O certo para um carro "esportivo" seria aumentar o cárter prevendo o uso mais severo, mas por pura falta de espaço e economia de custos a gm reduziu seu tamanho... deu no que deu.

Isso criou um problema mecânico tão grave que em 1990 a gm foi obrigada a convocar um recall que atingiu TODOS os 244.000 Fieros fabricados.

Por quê o Fiero pegava fogo?

Logo no primeiro ano de uso o motor estourava.

A biela quebrava e rachava o bloco do motor — e o óleo vazando sobre o escapamento quente começava um incêndio. 

A cada cinco carros, um deles dava perda total do motor e pegava fogo debaixo do capô com menos de um ano de uso. Só isso.

Sabe a causa?
Imagem: jalopnik.com
Sua beleza real estava na lógica de seu projeto...

Além de detalhezinhos básicos, como:

Uma em cada 4 bielas apresentar problemas de qualidade do material...

O que dava aproximadamente uma biela problemática para cada carro fabricado...

Teria havido um pequeno descuido bobo do fabricante (clica que aumenta):
Wikipedia: https://en.wikipedia.org/wiki/Pontiac_Fiero#Engine_fire_reputation

Pois é, na versão da wikipedia, o fabricante informou por engano que o motor usava só 3 quartos de galão de óleo (uns 2,8 litros).

Cometeu esse erro no manual do proprietário, nas especificações técnicas, nos manuais de oficina, nas informações às concessionárias e nos releases para a imprensa especializada. Tá bom.

E por outro erro lamentável, diz a wikipedia, a marcação da vareta medidora indicava o nível correto e suficiente com essa quantidade errada de óleo no motor. Que coincidência incrível, não é mesmo?

Só depois de milhares de carros estourando biela e pegando fogo é que descobriram essa formidável série de enganos... Não tem como duvidar dessa estória, né?

O nível correto era atingido com 4,5 quartos de galão.

Os britânicos e americanos usam medidas do tempo do Império Romano porque o nosso sistema decimal é muito complicado (para eles). Ou seja, 4,5 quartos perfazem um galão mais meio quarto — ou se preferir, 1 galão mais 1/8 de galão, já que metade de 1/4 é igual a 1/8. Como 1 galão contém 4 quartos, o mesmo que 4/4 que é o mesmo que 8/8. Portanto 4,5 quartos = 4/4 + (1/2 x 1/4) = 8/8 + 1/8, o que dá exatamente 9/8 ou 1 1/8 galão. Mais de dez anos tendo aula de fração na escola, fazendo lição de casa, exercícios em sala, trabalhos, provas e mais provas, até no vestibular essa флейта caía — e só agora depois de 40 anos eu usei pra alguma coisa...

O coitado do motor precisava de 4,26 litros de óleo.

E sempre recebia 1,4 litro de óleo a menos...

O carro já saía de fábrica e era abastecido nas revisões com o mínimo do mínimo de óleo. 

Aí o consumo normal fazia o nível abaixar ainda mais, mas a indicação da vareta dizia que estava tudo bem. Não estava.

Chegava uma hora em que o motor superaquecia por falha na lubrificação, as bielas 'frágeis' se quebravam, atravessavam o bloco, o óleo vazava em cima do escapamento e o nix Fiero pegava fogo embaixo do capô.  Imagem: http://www.rotaryeng.net/Rotor-v-Piston.html
O carro era praticamente uma dafra Kansas ou Speed de quatro rodas. Ah, não, a Kansas e a Speed não pegam fogo, só estouram o motor por falta de óleo.

(O pessoal do Fiero foi muito burro — se tivessem adotado um procedimento complicado e confuso para medir o nível do óleo e só deixassem escrito no manual do proprietário que ninguém lê, eles nunca seriam descobertos e poderiam sempre jogar a culpa nos proprietários... na indústria de motos todo mundo faz isso e nunca foram obrigados a fazer recall...)

Bom, essa é a versão da wikipedia que põe mel na chupeta falando em engano da montadora... 

Mas a wikipedia pode ser editada sabe lá por quem e com que interesses — coisas cavernosas que aparecem num dia desaparecem no outro.

Já outras fontes informativas dizem que o problema todo não foi engano nenhum, mas a redução do tamanho do cárter para caber dentro do cofre do motor.

A meta de fazer um carro esportivo de baixo custo e baixo consumo de combustível levou a um formato em cunha da carroceria onde não cabia o motor reaproveitado de outra família da montadora.

Quer dizer, não cabia se fosse mantido o cárter de tamanho decente original — nada que uma redução de tamanho não resolvesse.

O cárter acabou reduzido de 4 quartos (1 galão ou 3,8 litros) para 3 quartos (2,8 litros).

Eliminaram 1 litro de óleo do motor... e depois consertaram aumentando a quantidade para 4,25 litros.

Essa explicação faz mais sentido que o "engano" da wikipedia, não faz? Pois é.

Mas ninguém explica porque a solução final usava quase meio litro de óleo a mais que o original — se tiraram 1 litro, porque acrescentaram 1,4 litro?
Seria porque o projeto original já estava abaixo do correto? 

Será que as bielas eram mesmo frágeis? 

Ou essa foi uma desculpa mais aceitável do que dizer que o motor previa mesmo usar menos óleo intencionalmente, só que eles não esperavam problemas tão graves e tão espalhafatosos assim tão cedo? Mistério...

Cereja do bolo:

Quando os problemas apareceram, sabe o que a fabricante fez?

A general motors alegou que o problema só aparecia porque os proprietários aceleravam demais o carro esportivo e se descuidavam do nível de óleo — mesmo sendo novos e revisados nas concessionárias... Não sei porquê, lembrei da dafra.

Apesar de 1 em cada 5 carros apresentar problema, a gm tentou livrar a cara:

Primeiro relutou em convocar um recall (linha azul) porque isso arranharia a imagem e traria prejuízo para a empresa. O cliente acima de tudo? O cliente em primeiro lugar??? HAHAHAHA...

Depois tratou os casos de incêndio via um recall branco fazendo reparos em garantia e às vezes dando grana para as vítimas ficarem de bico calado (linha vermelha).
Reportagem e vídeo removido a pedido de uma parte interessada: http://jalopnik.com/5501545/pontiac-fiero-the-definitive-history

Mas as autoridades lá (NHTSA) são rigorosas e não se contentam com cartinhas de explicações de advogados falando que a empresa ajuda velhinhas a atravessar a rua.

Pressionaram a gm que tentou minimizar o assunto e jogar a culpa nas costas dos proprietários (linha verde).

Mas a NHTSA não se deixou tapear e cobrou atitudes.

Na esperança de ficar na moita e passar em branco, a fabricante convocou o recall para a véspera do Thanksgiving (linha amarela), o dia de rechear o peru.
вы не едите индейки, индейка ест вас.

Para os americanos o Dia de Ação de Graças é o maior feriado prolongado nacional, o início das festas natalinas deles. Depois vem o Halloween, Hanukkah, Festivus, Christmas, semana morta antes do New Year, férias de inverno...

É um feriadão em época de festa tipo nosso Natal, semana morta antes do Reveillon ANO NOVO, quinzena morta depois do começo do ano, férias de verão e quinzena do Carnaval aqui na terra brasilis. Gaudêncio manda lembranças!

Se tivessem um tapete bem grande, enfiavam o recall por baixo e não falavam mais no assunto.

Estranhamente, o vídeo que ilustrava o assunto foi removido do youtube devido a múltiplos pedidos de outras pessoas (ou empresas) alegando violação de direitos autorais.

Quem seria esse autor de um vídeo sobre um recall? Fosse quem fosse, a informação desapareceu.

E é por esse motivo que sempre cito as fontes das minhas pesquisas... 

Aproveite para conferir antes que algum interessado suma com o assunto.

Amanhã vamos tentar entender porque essas falhas patéticas acontecem.

Até lá,

Jeff

13 comentários:

  1. Excelente Jeff.
    Essa semana saiu uma reportagem no Flatout sobre o que ocorre com um veiculo que roda sem óleo, segue o link: https://www.flatout.com.br/o-que-acontece-quando-voce-dirige-um-carro-sem-oleo-do-motor/

    Jeff, já li tanta coisa no teu blog..., estava vendo o manual da minha Intruder...lá não diz nada sobre trocar de óleo a cada 1000Km.
    Eu já optei por pegar minha moto 0Km pra evitar alguma mal cuidada, assim cuido com carinho.
    Tirei uma foto com 1600Km. O óleo já estava quase batendo na letra L do visor. Cheguei nos 2000Km e mandei trocar o óleo em outra mecânica. Sinceramente, ia chegar nos 3 mil com quase nada no cárter.

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    1. Muito obrigado pelo link, Rafael! Farei uma postagem com ela!
      Trocar óleo mineral com 3 mil km ou 5 mil km em motores esfriados a ar é um crime contra a moto praticado pelas fabricantes.
      Sobre os manuais da suzuki eu tenho algumas postagens recentes, sugiro estas aqui:
      http://minhaprimeiramoto.blogspot.com.br/2016/11/as-mentiras-da-troca-do-oleo-somente.html
      http://minhaprimeiramoto.blogspot.com.br/2016/11/a-mentira-oficial-da-j-toledo-suzuki.html
      Os fabricantes dão a entender que você não precisa se preocupar com o óleo até a próxima revisão, mas isso não é verdade.
      Durante o amaciamento o motor trabalha mais justo, se aquece mais e consome mais óleo. Depois o consumo se estabiliza e é muito pequeno. Na media em que o motor envelhece o consumo volta a aumentar. Tdo o óleo consumido precisa ser reposto. Viagens em estrada e serra consomem muito óleo, trajetos curtos menores que 15 km também consomem mais óleo que o normal, então o nível não é algo que depende da quilometragem — como eles querem fazer o pessoal acreditar.
      Um abraço,
      Jeff

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    2. cara, li novamente, mas é surreal esse seu post: http://minhaprimeiramoto.blogspot.com.br/2016/11/a-mentira-oficial-da-j-toledo-suzuki.html

      por que meu manual da Intruder já é diferente! Não fala nada sobre colocar 950mL/1100mL com a troca de filtro ou sobre óleo 10w40.

      tem uns usuarios que falam com orgulho que trocam óleo com mais de 1000Km. coitadas das motos!!!!

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  2. Não é 950 ml, é 850 ml. E o 10W-40 não é falado no manual, ele aparece gravado na tampa do gargalo de abastecimento de óleo no motor.
    Se você puder me mandar fotos das páginas do seu manual que falam do óleo, pode até render uma nova postagem.
    O email jefferson.tradutor@gmail.com já voltou ao normal.
    Um abraço,
    Jeff

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    1. Corrigindo a informação:
      850 ml sem troca do filtro, 950 ml com troca do filtro.
      1.100 ml não é mencionado no manual e é o valor sem troca do filtro, 1.200 ml na troca com filtro. São valores obtidos na prática.

      1.000 ml e 1.100 ml são as quantidades recomendada para a suzuki GSR 150i nas trocas sem e com filtro, porque ela tem cárter maior que a Intruder.
      Eu de novo,
      Jeff

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  3. Esqueceram de dizer pra essa fenix a hora de renascer kkkk

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    1. E a maior reclamação dos fãs do modelo foi justamente essa:
      Bem na hora em que o Ferio renasceu, com o problemas resolvidos e um novo motor mais potente, quando o carro finalmente ficou como ele deveria ter sido desde o início, a gm matou o carro. As vendas fracassaram porque a honda e a mazda começaram a vender modelos parecidos que tinham uma diferença:
      Eram ágeis, econômicos e confiáveis.
      Um abraço,
      Jeff

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  4. O leitor Wesley Moreira comentou no facebook:

    Jeff, cabe à GM processar a Fiat por ter copiado o motor Fire? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    Olá, Wesley!
    Acho que não é o caso sim! A fiat está usando outra tecnologia incendiária,mas é nas peruonas Freemont... os menores tipo Punto, Palio e Siena só estão trincando a coluna de direção e pifando a embreagem... assunto para a postagem de amanhã (se não me engano).
    Um abraço,
    Jeff

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    1. Não é o caso sim ficou esquisito. A intenção era dizer não é o caso não...
      Eu de novo,
      Jeff

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    2. Só a título de curiosidade o nome Fire é sigla para Fully Integrated Robotized Engine, que, traduzido, significa algo como Motor Robotizado Totalmente Integrado. Pois foi o primeiro motor da Fiat a ter produção totalmente robotizada.

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    3. Olá, Deivisson!
      Ainda bem que veio a explicação, senão íamos ficar só na zoeira... Fiat Fire Fiero Ferrou... huehuehue...
      Liga não, é meio dia... preciso dormir. Ainda bem que a postagem de hoje está programada, oprque eu eostu apagandao.
      Um abraço,
      Jeff

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  5. Essas montadoras devem ter aprendido engenharia com o Coiote do Papa-léguas...

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    1. Faculdade Tecnológica de Engenharia ACME...
      Um abraço,
      Jeff

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