A resposta que dei na postagem Qual a marcha correta para cada velocidade? não me deixou satisfeito, então fiz esta explicação visual.
Vou falar de uma moto genérica com números redondos para facilitar, ok?
Vamos lá:
Você sabe que o motor de sua moto tem uma potência de 10 cavalos e um torque de 1 kgf.m.
O que isso significa?
Em termos simples, potência é a capacidade que seu motor tem de fazer força em um tempo determinado, e torque é justamente a força que ele consegue fazer.
Seu motor consegue fazer em uma hora o mesmo trabalho que 10 pôneis puxando fardos de alfafa, e seu motor consegue girar uma alavanca de 1 metro com um peso de 1 kg pendurado na ponta. É por aí.
A potência é mais ou menos proporcional à velocidade com que o motor gira, enquanto o torque é aproximadamente constante ao longo da faixa útil do motor.
Tipo assim:
Explicando o gráfico:
Quando o motor está parado, a potência e o torque são iguais a zero. Sem girar, sem fazer força, não existe potência.
Em marcha lenta, o motor tem o mínimo de potência e o mínimo de torque — se você engatar a primeira e tentar sair sem acelerar, o motor morrerá porque o torque (a força aplicada à roda) não é suficiente para empurrar a moto.
Você precisa atingir uma rotação mínima para o motor ter força suficiente, aí ele atinge o patamar de torque normal, e você pode acelerar até o motor atingir o limite de rotações seguras, que é o início da faixa vermelha do conta-giros ou do velocímetro.
Mas note que no início (baixas rotações) e no final (altíssimas rotações), o motor não se comporta da maneira esperada: outros fatores entram em jogo, basicamente o atrito das peças e a capacidade de expulsar os gases e admitir a mistura ar/gasolina na velocidade em que o motor está girando.
É por isso que a curva de potência cai ao chegar perto do limite do motor, e isso acontece exclusivamente em função do projeto do motor — não tem nada a ver com a velocidade final da moto, porque o motor se comporta da mesma maneira em qualquer marcha e até em neutro.
Existe uma faixa de uso das rotações do motor, e dentro dela uma faixa ideal de trabalho, na qual tudo funciona satisfatoriamente. Abaixo dela, o motor fica fraco para acionar o motor; acima dela, ele não consegue aumentar a velocidade da moto, só está sofrendo desgaste acelerado.
Isso pode ser visualizado desta maneira:
A faixa útil pode ser usada, mas o motor trabalha melhor na faixa ideal.
Na prática:
Na faixa vermelha inicial, o motor está fraco e tentar mover a moto em primeira marcha fará o motor morrer.
Na faixa laranja inicial, ele ainda não terá força plena, então até conseguirá mover a moto, mas trepidando, no limite de morrer por falta de força.
Acelerando um pouco mais, você entra na faixa verde clara, onde o motor já está mais à vontade. A curva de torque ainda não atingiu o valor máximo.
Na faixa verde escura seu motor está feliz que nem pato na lagoa, só falta abanar o rabo. Ah, você entendeu.
Na faixa verde clara final, ele já não estará mais tão feliz. A força que ele consegue fazer mal consegue vencer os atritos internos, o fluxo da mistura começa a ficar caótico, o motor começa a se atrapalhar com ele mesmo.
Ao se aproximar do limite, a faixa laranja final, o motor começa a dar sinais claros de que o esforço está sendo grande demais para ele, e progressivamente começa a vibrar mais do que o normal, a esquentar acima do que o vento consegue resfriá-lo, a se desgastar em taxas cada vez mais aceleradas.
Na faixa vermelha final as condições são tão extremas que alguma peça poderá se quebrar ou deixar de executar sua função a qualquer momento, podendo causar uma falha catastrófica do motor — uma mola que não consiga fechar a válvula antes que o pistão suba provocará uma reação em cadeia que destruirá o motor.
Se a moto só tivesse a primeira marcha, ela seria muito forte, mas sua velocidade seria extremamente baixa.
É aí que entra o trabalho do câmbio.
Como funciona o câmbio?
O câmbio é um conjunto de engrenagens, algumas pequenas e outras maiores, que consegue multiplicar o torque (a força) gerada pelo motor.
Pense numa engrenagem de 10 dentes como um conjunto de 10 alavanquinhas presas girando em um eixo — apenas um dente de cada engrenagem faz força de cada vez, e com o giro, o próximo par de alavancas se engrena e assume a função.
Se essas alavanquinhas forem do mesmo tamanho, as duas engrenagens irão girar com a mesma velocidade e a força de uma será transmitida pela outra sem alteração.
Mas se uma engrenagem tiver 10
Suas alavanquinhas também serão maiores, e você sabe que com uma alavanca maior você consegue fazer mais força.
Engrenando uma engrenagem de 10 com outra de 30 dentes, a maior girará com um terço da velocidade da menor, mas em compensação conseguirá fazer o triplo de força (torque).
É o caso da primeira marcha: ela é bem reduzida para que o torquinho do motor seja multiplicado para um torque suficiente na roda que seja capaz de empurrar a moto com garupa ladeira acima.
Já a segunda marcha não tem tanta força quanto a primeira (a relação não é tão reduzida), mas o motor também não precisa mais fazer tanta força porque a moto já está com um pouco de embalo.
Em primeira marcha o motor consegue fazer muita força, mas o motor atinge o máximo de rpm e a moto não ganha velocidade.
Em primeira marcha, bastante reduzida, o motor gira muito e a roda traseira gira pouco; em segunda marcha essa proporção se altera, permitindo que a roda traseira gire um pouco mais rápido.
A cada marcha mais alta, o motor gira mais livre, acionando a roda traseira cada vez com maior velocidade, fazendo sempre a mesma força conforme o gráfico de torque.
E isso funciona bem, porque depois que a moto pega embalo, é necessário cada vez menos força para ela ganhar velocidade — até a hora em que a resistência do vento começa a pesar.
Em cada marcha, o comportamento do motor é o mesmo do gráfico: fraco no início e no final, feliz da vida na faixa intermediária.
O que pode ser visualizado desta maneira:
É por isso que quando a marcha está muito alta para a velocidade em que você está, seu motor começa a trepidar e pode até morrer.
Ele entrou na faixa de desconforto e fraqueza, que se repete em todas as marchas.
O segredo é manter as rotações do motor sempre dentro da faixa verde, a faixa ideal.
Ao mudar para marchas mais altas, quanto maior a rotação em que você entrega o motor para a marcha seguinte, melhor ele se adapta ao esforço que terá de fazer porque estará dentro do patamar de torque máximo.
E ao reduzir marchas, quanto menor a rotação, menor será o esforço aplicado pela roda para reduzir as rpm do motor.
Fazendo isso dentro da faixa ideal verde clara / verde escura, o motor se sente muito mais à vontade.
E como saber a velocidade certa, se a moto não tem conta-giros?
Velocidade mínima de cada marcha = 10 vezes a marcha:
1ª — 10 km/h (Abaixo disso, você está parando e pode jogar a moto no neutro)
2ª — 20 km/h
3ª — 30 km/h
4ª — 40 km/h
5ª — 50 km/h
Velocidade máxima de cada marcha = 20 vezes a marcha:
1ª — 20 km/h
2ª — 40 km/h
3ª — 60 km/h
4ª — 80 km/h
5ª — 100 km/h (O valor varia um pouco para mais ou para menos em cada modelo)
Motos maiores possuem limites proporcionais ao tamanho do motor, então uma custom de alta cilindrada consegue andar a 20 km/h em 5ª marcha porque o motor é muito potente e sobra torque no motor, mesmo em baixas rotações.
Não sei se ficou mais claro ou mais confuso...
Outras postagens sobre este assunto:
http://minhaprimeiramoto.blogspot.com.br/2014/05/qual-marcha-correta-para-cada-velocidade.html
http://minhaprimeiramoto.blogspot.com.br/2014/09/nao-consigo-perceber-hora-de-trocar.html
http://minhaprimeiramoto.blogspot.com.br/2012/10/pilotar-motos-x-dirigir-carros-parte-i.html
http://minhaprimeiramoto.blogspot.com.br/2012/10/pilotar-motos-x-dirigir-carros-parte-ii.html
Um abraço,
Jeff
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirJeff parabéns pela postagem mais uma vez muito bem explicado, talvez caiba em outro post ou uma editada neste, faltou mencionar a relação e como pode ser alongada ou encurtada, uma vez que as fábricas regulam as motos em uma mediana, logo um usuário que a use sempre em percursos urbanos é diferente de um que use em estradas.
ResponderExcluirMuito bom o post, esclarecedor os gráficos e toda questão do torque/potencia.
ResponderExcluirCaramba, agora finalmente eu entendi. kkkk
ResponderExcluirvc é muito foda, muito obrigado pelo texto.
Obrigado!
ExcluirFico feliz que a postagem tenha ajudado a entender o funcionamento do motor e câmbio, obrigado por comentá-la!
Um abraço,
Jeff