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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Uma aventura cheia de buracos com direito a precipício

Ontem eu não expliquei como recuperei o acesso ao blog... foi macumbaria tecnológica do meu amigo Vinícius que eu demorei a conseguir colocar em prática. É bom ter amigos que mexem com computador. ("Mexer com computador" é a frase que mais irrita um profissional de TI. Mas se não sacanearmos os amigos, qual a graça? Muito obrigado mais uma vez, Vinícius!)

Bom, a história de hoje começou na BR-116.

Sabe aquela via onde até motos pagam pedágio para a concessionária garantir a qualidade do asfalto? Tá bom.

Não fazia muito tempo que tínhamos saído do Graal Japonês e, antes de chegarmos a Santa Rita do Ribeira, passamos por um buraco no asfalto pedagiado que era tão grande, mas tão grande... que o pneu traseiro bateu contra o para-lama.

O para-lama de plástico de alta qualidade prástico vagaba da Jezebel quebrou e a placa ficou pendurada pelo lacre, batendo na roda — e a capa do escape rompeu a braçadeira e ficou arrastando no chão.

Se foi ruim pra ela, imagine para a pobre coluna vertebral do esqueleto bem fornido que vos tecla.

Improvisei um reparo com elástico fru-fru e laça-gato (nunca saia de casa sem eles), e no primeiro posto fiz um bom reparo com arame. Na moto, não na coluna.

Almocei em Juquiá e desviamos para a SP-165.

Ao chegarmos a Sete Barras, onde por um trecho ela se chama SP-139, caí na besteira de pedir informação no posto ipipiranga. É, aquele mesmo.
Imagem: google maps errados. 
A seta laranja é a Jezebel e o ponto preto é o meu capacete. 
E eu sou aquela forma aerodinâmica azul entre o capacete e a Jezebel.

No posto disseram que iríamos encontrar a estrada para Eldorado no ashjsoubiu nhanfaru a ponte.

“Onde????”

“Ashjsoubiu nhanfaru a ponte.”

É, eu devia ter tirado o capacete para ouvir melhor. 

Agradeci e segui em frente, pelos gestos eu entendi que precisava virar à direita em algum lugar perto da ponte.

Se ele mencionou a ponte, então devia ser depois da ponte... não faria sentido falar em algo antes da ponte.

Mas um pouco antes da ponte, apareceu uma placa apontando Eldorado por uma estrada de terra feinha que só ela... não podia ser isso.

Então passei pela ponte, avancei um bom trecho, mas nada de estrada lateral, então devia ser mesmo aquela estradica com a placa logo antes da ponte.

Como não uso celular, fiz um esforço mental e relembrei o mapa do google, eu havia estudado o percurso por vários dias, a estrada asfaltada era mesmo antes da ponte.

Imagem: google maps errados até hoje

“Deve ser só um trecho inicial feinho de terra”, pensei eu.

O trecho inicial foi ficando cada vez menos inicial e cada vez mais feioso, chegou um ponto em que achei que não valia mais a pena voltar, o fim do suplício devia estar próximo. Não estava, ainda tinha uns 20 km até a primeira cidade.

Até hoje o mapa do google mostra asfalto (estrada preferencial amarela) onde é terra, e terra (estrada secundária branca) onde na verdade é asfalto — confira no google street view. Eternally grateful, google...

Foram 35 km da pior estrada de terra que você imaginar, com vários trechos de subidas e descidas aterradas com pedriscos em que a moto ia para onde bem entendia — Jezebel queria mesmo era fugir dali.

Sem contar que quase perdi a vida nos vários mata-burros... 
Imagem: Mata-burro pra quem não conhece. Mata-burros matam burros e motociclistas.

As costelas de vaca (não de boi) eram tão ruins que comecei a ter medo das conexões elétricas se soltarem, os parafusos afrouxarem, as porcas voarem, a moto começar a se desmanchar no meio da estrada, e nós rodeados por bananas. 

Bananas longas frutas amarelas, porque não havia uma alma por perto, nem ao menos um posto ipipiranga. Bananas.

Ao chegarmos a Eldorado, minha coluna estava abrindo o bico de papagaio — tive de recorrer a um analgésico forte para seguir viagem. 

Pior burrada, como se verá.

Pilotar uma moto sob efeito de medicação para dor pode ser fatal, algo que eu já sabia, mas não tinha escolha — além de rever os amigos, o outro objetivo da viagem era receber um pagamento que não pôde ser feito por depósito bancário... ou eu chegava a Floripa, ou não teria como voltar para casa.

Bom, até poderia voltar, mas nos dias seguintes não teria o que comer, o que seria um problemão.

Na farmácia o assunto foi a precariedade da estrada, mas o pessoal estava animado, isso ia mudar.

O deputado nascido por lá e que nunca fez nada pelas estradas da região agora tinha sido eleito para um cargo importante lá em Brasília — acho que presidente, sei lá, faz tempo que eu desisti de acompanhar a política.

O homem passou o fim de semana na terra natal e prometeu fundos e mundos.

Disse que ele faria a coisa mudar — e os coitados que acreditaram na promessa estão esperando alguma ação do governo federal até hoje.

Só no final do ano passado disseram que ia sair uma merreca do governo paulista, menos de 200 milhões para toda a enorme região do Vale do Ribeira. 

Só vai dar para pagar as placas anunciando as obras, que por lá são grandes. As placas. As obras são só tapa-buraco. Buracos mal tapados, ainda por cima.

No caminho para o Parque do Ribeira fui contemplado com outro buraco, um buraco camuflado no meio de outros buracos que me fez sentir saudades do primeiro buraco lá da BR — até parei para ver se o buraco tinha danificado a roda, foi difícil sentar na moto de novo. Hummm... ficou esquisito.

Cheguei à pequena Iporanga, 4.333 habitantes, e a moto não deu partida depois da parada obrigatória da tubaína da tarde.

A conexão de carga da bateria realmente tinha se soltado com a vibração e a bateria tinha morrido, felizmente foi um problema fácil de achar e resolver, só apertar de novo o conector e fazer a moto pegar no tranco.

Precisei apertar bem apertado para não arriscar ficar sem farol nem partida no meio da serra, não seria uma boa tentar dar partida no tranco num lugar cheio de onças no caminho para Apiaí. Se bem que a motivação seria forte.

Fiz o conserto morrendo de cansaço e dores, então tomei mais comprimidos e ganhei o conselho do frentista do posto (a parada obrigatória da gasolina da tarde):

“Vai atravessar o parque? A estrada é muito ruim, se eu fosse você eu não passava lá de moto. Nem de carro.”

“Pior do que a estrada até aqui?”

“Muito pior. Põe pior nisso. Nem ambulância passa por lá.”

Devia ter aceitado o conselho, ele não estava exagerando.

Com a buraqueira, minha coluna só piorava e o que eu mais queria era chegar até Apiaí para pernoitar e torcer para as dores sumirem durante a noite.

Pilotar uma moto sob efeito de remédios e com o foco fora da pilotagem — eu só pensava nas dores e na urgência em cair na cama — é um dos maiores erros que podemos cometer.

Um erro que pode ser fatal, aprenda comigo.

O percurso através da mata cerrada do Parque Estadual foi ainda mais demorado e sofrido, até que chegamos a um trecho em que a estrada melhorou um tiquinhozinho de nada.

A serra quase escurecendo, eu querendo chegar em Apiaí antes do fim da luz, pensamentos chegando lá antes da moto, por puro desespero comecei a aumentar a velocidade um pouco mais na medida em que a terra melhorava.

Minha percepção prejudicada pelos remédios dizia que eu não estava correndo, talvez uns 40 km/hora (mas talvez fosse um pouco mais) — foi o suficiente.

No meio da estrada tinha umas pedrinhas...

Pedrinhas bestas, nada comparável nem de longe ao que já tínhamos passado para chegar até ali — antes de tomar a medicação.

A estrada não tinha acostamento, muito menos guard-rail, e as pedrinhas ficavam do lado de um precipício na serra...

De repente, não mais que de repente, a roda dianteira desgarrou e fomos pro chão como duas jacas pachorrentas.

E na próxima postagem eu conto o desenrolar do drama. E o rolar das jacas.

Spoiler: Sobrevivemos quase inteiros e temos fotos pra mostrar.

Um abraço,

Jeff

sábado, 7 de outubro de 2017

Motociclista prevenido não passa aperto

No vídeo da postagem anterior aconteceu outra pane na — por falta de um nome melhor — estrada:  
Imagem: Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=12ONwq3dD7E&t=1346s

O para-lama traseiro se soltou. 

Motos vibram e soltam parafusos e outras peças, ainda mais em caminhos ruins.

E qual foi a primeira ideia que veio na cabeça?
Imagem: Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=12ONwq3dD7E&t=1346s

Zip ties.

Sabe o que são zip ties?

Isso aqui, ó:
Laça-gato.

É como sempre digo:
Imagem: http://minhaprimeiramoto.blogspot.com.br/2013/09/laca-gato-arame-elastico-fru-fru-nao.html

Laça-gato, arame, elástico, fru-fru... não vá para a Mongólia sem eles.

Laça-gatos podem ser muito úteis naqueles momentos em que o parafusinho do pisca se solta e ele fica pendurado pela fiação.

O "conserto" fica tão bom que você até esquece que ele está lá.

O truque aqui foi emendar duas fitas Hellermann e passar por dentro dos furos do parafuso nas duas partes.

Aí foi só apertar e pronto, ficou tão firme quanto parafusado.

Um abraço,
Jeff

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Nada como uma pane no meio do nada para tornar a aventura divertida

Você está viajando pela melhor estrada da Mongólia quando descobre um problema sério na sua moto:


A manopla do acelerador se soltou e você não consegue mais acelerar...

Um cara prevenido para uma viagem de dezenas de milhares de quilômetros leva cola para essas emergências.

Mas se não tivesse levado?

Teria que improvisar enrolando fita isolante no tubo da manopla. 

Se não levar fita isolante? 

Bom, aí você estaria na roça...

A menos que você tenha contigo uma camisinha (de preferência sem uso).

Eliminando todo o lubrificante, ela faria a função de eliminar a folga entre a manopla e o tubo.

Sem camisinha?

Não se arrisque a sair por aí sem camisinha, nunca se sabe a hora em que ela poderá ser útil.

Gosto de acompanhar as aventuras deste vlogueiro alemão.

Temos opiniões parecidas sobre muitas coisas em relação à manutenção, cuidados e viagens com a moto.

Desta vez ele saiu da Alemanha e passou pela Polônia, Ucrânia, Rússia, Mongólia, Letônia e Lituânia em uma viagem de 30 dias.

Tem coisas incríveis e imperdíveis no caminho, como a estátua de Genghis Khan no episódio 9.

O que achei interessante neste vídeo em particular — além das paisagens — foi a existência de barreiras sanitárias no meio do nada para impedir o transporte de germes e animais causadores de doenças nos pneus dos veículos...

E também as iurtas equipadas com painel solar e antenas. 

Tempos modernos em um dos cenários mais preservados do planeta.

Um abraço,

Jeff
PS: Estou melhor das dores na coluna e da pedrita no rim, logo retomo o blog. Yabadabadu!!!

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Aniversário de 5 anos da viagem a Foz do Iguaçu...

Há exatos cinco anos, em 15 de setembro de 2011, os amigos WD±40 Betho, Edifrans, Igor e eu saíamos com nossas Kansas 150 para nossa grande jornada Easy Rider...

Edi e eu saímos na véspera de Santo André e fomos até Campinas onde encontramos o Betho e o Igor.

De lá cortamos o sudoeste de São Paulo e o noroeste do Paraná até chegarmos a Foz do Iguaçu, de onde esticamos até as vizinhas Puerto Iguazu na Argentina e Ciudad del Este no Paraguai...

Mais de 2.300 km de uma aventura inesquecível de quatro amigos que se conheceram graças a nossas queridas Kansas companheiras de estrada. 

E só fomos e voltamos porque não caímos no conto do vigário de colocar só um litro de óleo no motor.



Impossível esquecer a pancada do vento deslocado pelos caminhões em sentido contrário, a ventania nos desertos de soja que nos obrigava a pilotar inclinados para manter a linha reta, os pedágios abusivos no Paraná não, isso eu prefiro esquecer, as paradas nos raros postos na beira da estrada, os perrengues resolvidos com improviso no caminho, a cara de "não acredito que vocês vieram de São Paulo de Kansas" do pessoal da concessionária dafra de Foz do Iguaçu onde passamos para repor a mola do pedal do freio da Jezebel que caiu antes de chegarmos em Itaí...não, não tinha.

E a emoção de chegar a um destino que só atingimos quando nos livramos daquelas amarras que são jogadas sobre nós pelas burocracias da vida.


Como esquecer a beleza das cataratas, a austeridade opressora de Itaipu, a enorme Aripuca, destino não programado cuja dica foi dada pelo pessoal simpático lá do restaurante em Puerto Iguazu?

E a volta com nevoeiro e chuva, os erros no caminho — sagrada tradição WD±40 —, os desencontros e o incrível reencontro ao acaso no meio da estrada?

Como esquecer a amizade que proporcionou essa jornada da minha vida — e acredito que a jornada da vida de cada um de nós?

Como esquecer os relatos dos amigos WD±40 que não puderam ir e ficaram torcendo pela gente o tempo todo?

Passados esses cinco anos, só posso agradecer a Deus por ter colocado tanta gente boa em meu caminho.

Obrigado, galera, por todos esses anos de bons momentos inesquecíveis vividos nessas estradas pelo Brasil!

Não fosse por vocês, Jezebel e eu teríamos uma vida muito sem graça...

Forte abraço, e espero repetir uma aventura dessas qualquer dia destes!

Jeff

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O retorno da carcaça do zumbi 2 - final final mesmo

Finalmente o final da história:

Começando de novo da estaca zero, eu já sabia que não podia pegar novamente aquele atalho para a Raposo Tavares.

Pelo menos o tempo tinha firmado e agora era só esperar a roupa secar. O bom é que o vento da moto faz isso. O ruim é que você gela.

Capa de chuva eu tinha desistido de usar desde que fiquei ridiculamente entalado tentando tirá-la para poder lanchar na padoca lá em Delfim Moreira. Muito trabalho para tirar, muito trabalho para colocar, melhor deixar molhar. Foi tirar a capa e começar a chover de novo... torrencialmente até Pouso Alegre.

Cruzando o contorno viário de Sorocaba me informei sobre como chegar a Piedade em um posto 24 horas e descobri que bastava seguir reto a avenida onde estávamos, cruzaríamos Sorocaba e chegaríamos em Piedade. Não tem como errar, disse o frentista. Logo se vê que ele não me conhece.
Imagem: Google Street View

Assim fizemos, cruzando Sorocaba deserta, mas respeitando os semáforos noturnos porque sempre pode aparecer alguém. E porque devia ter câmeras em todos os cruzamentos.

Durante o trajeto notei que Edith estava ligando a ventoinha, coisa que não deveria estar fazendo naquela condição de trânsito livre, a menos que estivesse com pouco líquido de arrefecimento.

Eu precisava achar um lugar seguro para reabastecer, não necessariamente um posto — o líquido de arrefecimento já estava comigo.

Quando viajo, levo roupas em um alforje e o outro vai lotado com óleo, líquido de arrefecimento, óleo de corrente, ferramentas, panos, lâmpadas, velas, o kit básico para uma manutenção sem depender de ninguém.

Parei do outro lado da rua em frente a um pátio onde havia um monte de carros de polícia e policiais estacionados, achei que ali seria seguro fazer a manutenção.

Reabasteci o reservatório e levantei a cabeça, os policiais todos tinham evaporado sem fazer barulho. 

Ou assustamos a moçada com nosso visual bad boy old man sem destino, ou estava na hora de passar algum bonde, comboio, sei lá... me mandei rapidinho e segui rumo a Piedade, agora sem erro porque havia placas indicando a próxima cidade. Hahahaha!
Era uma noite escura e tempestuosa, e até a semana passada o farol da Edith era uma piada não regulável original de fábrica, quando eu finalmente consegui ajustar — o processo vai virar postagem.

Mas durante a viagem, o farol alto estava mais para pigmeu, só iluminava bem o chão pelos 5 metros à frente, dali em diante era a estrada na escuridão, noite sem lua, breu total, trevas, o maior trevão. 

Pegar no escuro uma estrada desconhecida, mal conservada, sem faixas refletivas, sem placas de sinalização e cercada de mato é algo desafiador, ainda mais com neblina. 

Por sorte (ou azar?) apareceu um comboio (aha!) de três caminhões de minério.

Os caminhões de minério que circulam naquela região são desse tipo aqui, basculante de caçamba alta, acho que até mais alta do que essa:
Só que esse aí está novinho, lavado, bonitão... 

Imagine três desses aí inteirinhos pintados de cinza escuro e cobertos de lama de minério de cor cinza escuro, com todos os refletivos cobertos de lama. Cinza escuro.

Facilitei a passagem para que eles iluminassem o caminho e fui atrás deles, pelo menos eu sabia para que lado era a próxima curva.

Era só manter uma distância suficiente para evitar alguma pedra ou lama voando e não deixar o pessoal se afastar.

E assim fomos, o comboio de três caminhões vazios colados um no outro, voando baixo, e nós na cola a uma distância prudente.

Dizer que eles iluminavam o caminho é relativo...

Dos três caminhões, um deles não acendia as lanternas traseiras. Adivinha qual? Justamente o último da fila. 

A única coisa que se via era o halo de luz dos faróis dos caminhões da frente, e o vulto do caminhão de trás totalmente apagado. Parecia um comboio sobrenatural.
Imagem: Supernatural http://daughtershade.dreamwidth.org/219652.html

Era mais ou menos como seguir fantasmas, e essas aparições mandavam muito bem em uma estrada bastante esburacada — Edith eu fizemos cross-country atrás do comboio.

Ou a gente se mantinha atrás deles, ou penava com a falta de farol nas trevas — e o cansaço era tanto desde Campinas que eu não queria arriscar pilotar sem uma referência visual. 

Extremamente cansado, eu precisava manter o foco nos caminhões, senão ia acabar desgarrando em alguma curva.

Com a visão limitada e foco total na bunda apagada do último caminhão — que também não tinha luz de freio, seta então nem pensar — a partir de um certo ponto a estrada ficou ainda mais esburacada. 

Nunca na minha vida peguei uma estrada asfaltada tão ruim quanto aquela. Pensei no Alckmin, mas é impublicável.

Já não era mais cross-country, era o rally dos sertões. Pegando atalho por fora da estrada.

Imagina eu pilotando em pé nas plataformas e desviando dos buracos e crateras...
O asfalto era quase isso... só que era noite e a moto uma custom. 
Com a mesma eficiência do farol.
Mas não havia outra cidade naquela direção, então eles só podiam estar indo para Piedade, certo?

Errado.

Eram caminhões de minério, eles estavam vazios, estavam indo para o pátio da mineração para pegar mais carga.

Chegou um ponto em que a estrada seguiu reto e eles pegaram uma via secundária paralela à que estávamos... 

Edith e eu continuamos na 
estrada principale foi bizarro ficar lado a lado com eles, processando a informação de que eu estava seguindo um pessoal porque eles iam para Piedade e no final eles não estavam indo para Piedade... naquele momento tive a intuição de que ia der marda.

Mas seguimos em frente porque estradas sempre ligam uma cidade a outra, e agora Piedade não podia estar muito longe.

No meio do breu apareceu uma luminosidade no horizonte, e era cedo para o dia clarear, então só podia ser Piedade... e chegamos lá eram quase quatro horas da manhã.

Piedade é uma cidade que eu conheço razoavelmente bem, visitava a trabalho há 25 anos... e estava muito mudada.

Estava tão mudada que eu não a reconheci desde a última vez que passei por lá... e isso tinha sido há menos de uma semana, na viagem de ida...

Bom, ainda estava escuro, mas depois de rodar algumas quadras ficou claro que aquela cidade não podia ser Piedade e eu não fazia a menor ideia de onde estávamos. Edith menos ainda.

É muito estranho seguir cansado, com a percepção alterada pela falta de dormir, percorrer um caminho esperando chegar a uma cidade e encontrar outra totalmente diferente... tudo apagado sem uma alma penada sequer.
Imagem: Silent Hill

Tudo deserto, nenhum comércio aberto, nenhum posto de gasolina, nenhum local para pedir informação, silêncio absoluto... parecia filme de terror.

Se aparecesse um fantasma ali naquela hora, pelo menos eu perguntava que lugar era aquele, mas nem isso.

Rodamos e rodamos e, para nossa salvação, encontramos o único prédio iluminado e em funcionamento em toda a cidade, a Santa Casa local, esta aqui (felizmente, sem zumbis — o único zumbi era eu):

Entrei e zumbizei ao funcionário da recepção onde estávamos — e descobri que estávamos em Salto de Pirapora.

— Zalto de Pirapora?

— Salto de Pirapora.

Para quem não conhece, Salto de Pirapora:




Mas como, perguntei eu, se é uma estrada reta entre Sorocaba e Piedade, e nós não saímos da estrada, como tínhamos ido parar em uma cidade totalmente fora da rota? Mais gasolina desperdiçada, eu ia ter de empurrar a moto já a partir de Curitiba...


— Para Piedade você tinha que ter contornado a rotatória. Seguindo reto você pegou a Estrada do Minério.

ESTRADA DO MINÉRIO!!!, pensei eu. Focking wulfe schmlitz gundam caminhões de minério!!!... 

A Estrada do Minério é aquela linhazinha cinzenta no mapa aí de cima que o google nem considera como estrada de verdade...


Para entender o que aconteceu, só olhando no mapa. A SPA-104/079 é a tal rodovia do Minério... eu devia ter virado à esquerda em Albuquerque...
Seguindo os caminhões de perto e sem conseguir enxergar as placas de sinalização, não percebi a rotatória, segui a tendência da estrada e entrei pela pior carreira de buracos e desníveis de pista que você possa imaginar.
— E como eu faço para ir daqui até Piedade?

— Você vai ter de voltar pela Estrada do Minério até a rotatória para Piedade.

— Voltar toda aquela estrada esburacada? Não tem outro caminho?

— Tem, mas por Pilar do Sul é bem mais longe... 


Não tinha mais ânimo de fazer aqueles 12 km de tortura e mais 16 km até Piedade. 


O cansaço venceu, desabei e fiquei por lá mesmo.

E das quatro às seis da manhã, com a jaqueta por cima da cabeça, cruzei os braços e dormi sentado na recepção do hospital — lá também não tinha banco para deitar. Até pensei em fingir um piripaque para ver se ganhava uma maca, mas o pouco que restava da minha dignidade falou mais alto.

Não consegui dormir direito porque fiquei o tempo todo de sobreaviso. Vai que me levam a carcaça para o morgue. 

Começou a amanhecer, começou a chegar gente para se consultar, hora de me mandar. Fiz o check-up básico — só da moto.

Estômago roncando, a última refeição tinha sido o almoço em Poços de Caldas, ainda tinha 760 km pela frente, eu não ia conseguir encarar o chão que faltava sem pelo menos um café da manhã. Eu ia precisar de muita energia para atravessar o Paraná inteiro e metade de Santa Catarina empurrando a moto sem gasolina.

E fomos para o posto Trevão, que apesar do nome é bem iluminado e tem esse nome por conta do enorme trevo na entrada da cidade. Boa padoca. Se errar o caminho e for parar em Salto de Pirapora, recomendo.
Um copão de café com leite e um pãozinho com manteiga às seis da manhã valem por uma refeição. Não valem não, mas era isso ou nada.

Hoje vendo os mapas para escrever esta postagem, descubro que se eu tivesse me informado no posto, teria descoberto que seguir em frente rumo a Pilar do Sul me levaria direto a Registro...

Eu teria economizado 10 km no percurso, e sem precisar pegar novamente a Estrada do Minério... Preciso experimentar esse caminho qualquer dia...

Mas o cansaço não te deixa pensar direito, e na minha cabeça o único mapa mostrava Piedade e então Juquiá... não tinha cabeça para trajetos alternativos. 

Pegamos novamente a estrada cheia de buracos e descobri que a faixa de retorno era ainda mais esburacada, porque os caminhões saíam carregados do pátio da mineradora e estragavam ainda mais o asfalto.

Mas pelo menos era dia, ficava mais fácil desviar, e eu não tinha mais a pressa de chegar e dormir. 

Fomos desviando dos sulcos cavados pelos pneus ao longo da pista e finalmente chegamos à rotatória e ao caminho certo para Piedade.

Em terreno conhecido, foi só pegar a estrada para Tapiraí e Juquiá, agora com asfalto decente.
Tapiraí. 
Imagem: http://tapirai.wikia.com/wiki/História_de_Tapiraí

O sol começou a ficar forte lá pelas 9 da manhã e então eu descobri que havia esquecido o óculos de sol lá no Trevão. 

Não havia gasolina para voltar, o jeito foi encarar o prejuízo e o sol forte nos olhos durante a manhã inteira, e eu sofro muito com luz intensa — mas não tenho pavor de alho. Já as estacas no coração matam qualquer um.

Depois de tantos eventos trevosos, eu tentava manter o ânimo pensando na recompensa de descer a serra de Juquiá, coisa que sempre é um prazer imenso...
...menos quando cai um temporal no dia anterior, e todas as curvas estão cobertas de lama e há árvores e barreiras caídas durante todo o trajeto, sorrateiras depois de cada curva fechada. Pô, nem isso para alegrar... o gostoso é descer em um dia de sol como esse aí do vídeo...

Descemos com cuidado redobrado porque cada curva era um risco de tombo, e uma laminha que para os carros não diz nada, para a gente é muito fácil de escorregar e cair.

E toca administrar ultrapassagens sem visão do pessoal apressadinho acostumado com as curvas e ultrapassando onde não dá para ultrapassar, preocupado em não cair. Eita, gente que não dá valor à própria vida nem à dos outros.

A estrada desce margeando o rio, o volume de água era grande, o fim da serra é na cidade de Juquiá, e eu tinha receio que a cidade estivesse alagada como aconteceu em 2014.
Reportagem: http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/brasil/2014/02/17/mortes-causadas-pelas-chuvas-desde-dezembro-em-sp-superam-verao-passado.htm

Felizmente isso não aconteceu, mas durante o caminho notei que precisaria ajustar a corrente da Edith — a regulagem da Fenix Gold tem uma faixa de uso bastante pequena, a mínima folga excessiva e já está raspando na balança.

Chegamos a Juquiá às dez da manhã. Exausto no limite, pegar a BR-116 naquelas condições seria suicídio.

Como todos os meus movimentos são friamente calculados e com a roupa ainda molhada eu estava à beira da hipotermia, fui ao posto velho conhecido e estacionei a moto em um cantinho bem ensolarado.
Aquele canto onde está o fusca pega um solzinho da hora...
Deitado ali atrás da moto, fiz o ajuste, o sol bateu gostoso, disfarcei que estava consertando a moto e aproveitei para dormir. E secar a roupa.

Nem deu tempo de largar, apaguei segurando a ferramenta. Essa frase ficou esquisita, mas era uma chave combinada de 21 mm.

Não fosse o frentista vir confirmar que eu não estava morto, tinha ficado ali até a hora do almoço.

Ops, eu fiquei ali até a hora do almoço... que eu não almocei.

Impressionante o quanto um cochilo deitado ao sol é revigorante.

Mais seco, descansado e lagarteado de volta à temperatura normal, segui viagem pela velha e conhecida rota das BR 116, 376 e 101 até pegarmos chuva novamente em Joinville. Sempre chove em Joinville.

Se teve algum lance emocionante nesse trecho até em casa, eu não lembro, pilotei no automático. 

Só tenho na memória a vontade enorme de chegar em casa, e a passagem pelos restaurantes e lanchonetes onde não parei. Mas salivei.

A vontade de cair na cama depois de muitos e muitos quilômetros em uma semana era maior do que a fome.
Finalmente chegamos a São José onde, se bem me lembro, choveu. Como sempre.

Aí você me pergunta:

gasolina que te deixou tão preocupado o caminho todo?

Com o dinheirinho que sobrava fiz o último abastecimento em Barra Velha, a 125 km de casa, calculando que a autonomia de um tanque seria suficiente.

Mas não pude encher totalmente o tanque porque ainda precisava sobrar o suficiente para os pedágios, então não tinha certeza se conseguiríamos chegar ou não. 

Pilotando na maciota, com as últimas moedas paguei o último pedágio e no final a gasolina deu certinho contadinha para chegarmos em casa.

O alívio de chegar na minha cidade foi enorme. Qualquer coisa, era só ligar para o Daniel que teríamos socorro.

Edith aguentou exatamente até a garagem — no dia seguinte, assim que tentei ligar a moto, ela se recusou a funcionar e pediu reserva. Sorte que a filhota tinha dindin.

Mas o drama não acabou ali na garagem — chegar em casa não quer dizer conseguir entrar em casa...

Nos últimos 100 quilômetros eu vinha torcendo rezando implorando aos céus para que minha filha estivesse por lá, porque eu tinha deixado minhas chaves com ela. Se ela não estivesse em casa, eu ia ficar trancado do lado de fora...

Chegamos, estacionamos, retirei os alforjes e bagagens, fiz um cafuné de agradecimento na Edith e outro de saudade na Jezebel isso é muito importante, garante partidas fáceis depois de vários dias parada e acorrentei uma na outra para que colocassem os assuntos em dia e descansassem tranquilas.

Me arrastei escada acima doido de vontade de tomar um banho QUENTE (o último banho quente tinha sido em Minas Gerais, banho frio eu tomei a viagem inteira na ida e na volta) e poder finalmente descansar na minha cama.

Mas a Lei de Mutley não falha, é cruel e cínica.


Nem preciso dizer que justamente naquela tarde minha filha saiu para fazer compras a fim de preparar um jantar de boas vindas... 
Fiquei trancado para fora de casa... 

Resignado, coloquei as coisas no chão no corredor do prédio, tirei a jaqueta e adivinha?

Encontrei o óculos de sol, que estava pendurado na gola da camiseta o tempo todo... um ponto positivo no final da viagem. Depois de ter torrado os zóio metade do caminho.

Fiz um travesseiro com a mochila e os alforjes, esparramei a jaqueta no chão, deitei ali mesmo e tentei dormir até minha filha voltar.

Mas viagens longas causam cãibras.... músculo que eu nem sabia que existia estava cãibrando e uivando de dor. E eu junto.

As cãibras começaram a se tornar contínuas, uma atrás da outra, e eu já não tinha mais força de esticar as pernas para evitar a contração dos músculos...

Dor, dor, dor e odor. Jaqueta molhada de 7 dias = cachorro molhado sem xampu.

Mas aí minha filha chegou, me ajudou a esticar as pernas, ajudou a me levantar, 
botou a jaqueta para lavar e tudo ficou perfeito. Jantar de primeira!

Apesar de todos os perrengues, o saldo foi uma boa aventura, cheia de emoção e suspense. 

Só senti falta de um chapéu para poder dormir no corredor com a cara coberta. Preciso de um desses:

Não sei o porquê, mas depois desse dia os vizinhos passaram a me olhar torto.

Mas tudo bem...

Eles não têm histórias de 2660 km para contar.

Um abraço,

Jeff
PS: Me lembre de contar o passeio com a filhota até Urubici, aquele em que pegamos muita chuva na BR-282... só pra variar.