segunda-feira, 20 de junho de 2016

A ganância das empresas e o abandono das práticas consagradas de Engenharia

Havia um tempo em que as empresas tinham um pouco mais de escrúpulos éticos — era o final dos anos 60, a mesma época em que eu comecei a desconfiar da fada dos dentes e do coelhinho da páscoa, mas ainda escrevia cartinha para o papai noel.

Era um tempo em que novos produtos eram testados exaustivamente antes do lançamento — os projetos usavam margens de segurança ditadas pela segurança, e não pelos custos ou prazos de lançamento estabelecidos pelo marketing.
Reportagem: http://www.autoentusiastas.com.br/2016/05/gordini/

Hoje a data de lançamento do produto é definida com base na suposição ingênua de que as coisas projetadas nos computadores já nascerão perfeitas — só que a vida é real e de viés, como dizia o Caetano.

Há alguns anos um grande amigo meu teve o enorme desprazer de traduzir um documento em que um engenheiro apresentava de maneira imbecil o método de projeto desenvolvido por ele e implementado pela multinacional fabricante de carros.

Era um passo a passo para eliminar os possíveis problemas de um carro ainda na fase de projeto com o objetivo de reduzir custos e diminuir prazos de entrega de novos modelos ao mercado.


Um carro genérico fabricado por uma montadora
qualquer 
antes dessa ideia genial, só para ilustrar.
Na suposição infantil desse engenheiro, todos os problemas possíveis seriam deduzidos e eliminados sem a necessidade de fabricar uma série grande de veículos de teste (pré-série), nem realizar períodos de prova prolongados.

Nessa ilusão de faz de conta, os carros sairiam das workstations direto para a produção e concessionárias — eliminando os salários de alguns engenheiros e pilotos de teste.

Esse amigo traduziu esse material com muita raiva, porque é evidente que por melhor que seja o método, ninguém consegue prever tudo — dito e feito.

Esse método idiota está sendo aplicado por todos os fabricantes e está matando muita gente por aí.

Desta vez a vítima foi o ator Anton Yelchin, de apenas 27 anos. 
Reportagem: http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2016/06/20/problema-no-cambio-pode-ter-causado-acidente-que-matou-ator-de-star-trek.htm

Resumindo, o fiat-chrysler Jeep Grand Cherokee modelo 2015 do ator estava estacionado em um local inclinado.

A marcha de estacionamento (posição P da transmissão automática) escapou, permitindo que o carro se movimentasse — algo impensável, porque essa marcha serve justamente para imobilizar o carro.

Anton foi empurrado contra uma parede, ninguém nas proximidades, e morreu por asfixia, não pôde respirar com o carro prensado contra seu peito.

Trata-se de uma falha gravíssima de projeto para o qual a fiat-chrysler convocou recall em abril deste ano.
Reportagem: http://g1.globo.com/carros/noticia/2016/05/jeep-grand-cherokee-e-chrysler-300-sao-chamados-para-recall.html

Falha gravíssima que foi minimizada na reportagem da globo: impedir que o motorista saia sem colocar a transmissão na posição P é uma tremenda besteira, a menos que estejam falando em impedir que o motorista saia do carro, e não com o carro.

De que forma farão isso? Com um alarme que todo mundo vai ignorar? Travando as portas e não deixando ninguém sair, nem que o carro esteja pegando fogo? бред сивой кобылы.

A chamada da reportagem não passa a menor ideia da gravidade da coisa — faltou dizer que o carro pode começar a descer uma ladeira, apesar de travado na marcha P, e atropelar alguém — o próprio motorista abrindo ou fechando a garagem.

Coisa que não deveria fazer mesmo que o freio de estacionamento não esteja aplicado, como foi nos carros de transmissão automática desde sempre. 

Anton Yelchin talvez tenha sido a primeira vítima fatal dessa falha, se é que outras não ocorreram.
Reportagem: https://consumerist.com/2016/02/08/more-than-100-crashes-caused-by-confusing-jeep-chrysler-dodge-gear-shifters/

Mas por que estou falando disso aqui em um blog sobre motos?

Porque essa mesma afobação para lançar novos produtos também é praticada por fabricantes de motos.

A mesma pressa de colocar novos produtos no mercado e poupar tempo e uns trocados miseráveis leva os fabricantes de motos a lançar máquinas que quebram o eixo secundário (eixo do pinhão) por fadiga (suzuki GSR150i — estou devendo a postagem).

Também estão na lista o retificador das suzuki (esportivas, Boulevard e Burgman 400), quebra do chassi (yamaha Crosser 150 e dafra/zongshen Kansas 150 — ah, esquece, a dafra nunca chamou o recall), quebra da coroa da yamaha MT-09, recall da quebra dos parafusos da coroa roda traseira da bmw...

Reportagem: http://g1.globo.com/carros/motos/noticia/2015/04/bmw-convoca-4558-motos-no-brasil-para-recall.html


Não escapa nem a harley...
Reportagem: http://g1.globo.com/carros/motos/noticia/2015/07/harley-davidson-chama-2-mil-motos-para-recall-no-brasil.html

Em se tratando de motocicletas, são falhas potencialmente mortais.

Mas o marketing na frente de todos os critérios torna as empresas cegas para o risco de se lançar produtos às pressas e sem os devidos testes.

Ninguém dentro da empresa tem a coragem de dizer "não" porque ninguém quer perder o emprego na salinha com ar condicionado, ninguém levanta o pescoço com medo do facão.


Enquanto isso, os erros vão causando acidentes e ceifando as vidas dos proprietários, sejam eles conhecidos ou não.


Moral da história: Não confie cegamente em marcas renomadas.

Hoje elas não usam mais os mesmos critérios pelos quais se tornaram conhecidas.

A ganância traiu os clientes.

Fique atento a coisas estranhas acontecendo com sua moto e acompanhe as notícias sobre recalls de fabricantes — não adie comparecer à concessionária, sua vida e a de pessoas próximas a você podem depender disso.

Um abraço,

Jeff

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Olá, Carlos, obrigado pela sugestão!
      Falei desse vídeo nesta postagem aqui:
      http://minhaprimeiramoto.blogspot.com.br/2015/08/por-que-pilotos-experientes-abusam-e.html
      Não enfoquei por esse lado que você considerou, que também é válido, mas pelo fato de que o Roberty caiu mesmo sendo um cara experiente com motos de média cilindrada pra cima.
      Um abraço,
      Jeff

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