quarta-feira, 4 de março de 2020

O porquê das bicicletas mortais

Acidente trágico registrado em Nova Andradina no Mato Grosso do Sul:
Imagem e reportagem: https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2020/02/27/menino-irlandes-de-6-anos-morre-atropelado-por-carreta-enquanto-andava-de-bicicleta-em-ms.ghtml

Conforme a reportagem, a carreta vinha pela avenida Antônio Joaquim de Moura Andrade (trecho urbano da BR-376) e passou por cima da bicicleta ao fazer uma conversão para entrar na rua Espírito Santo.

Por uma daquelas coincidências que a gente chega a pensar que não pode ser apenas coincidência, a imagem desse cruzamento no google Maps mostra exatamente uma carreta, no caso um bitrem, fazendo essa conversão:
Imagem: Google Maps

E essa imagem mostra exatamente porque bicicletas não devem circular por avenidas e rodovias.

Calma, ciclistas, eu explico:

Motos conseguem acelerar e ultrapassar caminhões, e conforme as leis de trânsito, essas ultrapassagens são feitas sempre pelo lado esquerdo dos veículos.

Ultrapassagens pela direita são proibidas porque são armadilhas mortais.

Mas as bicicletas estão condenadas a circular no lado direito das ruas, sempre sendo ultrapassadas — é o pior lado, o lado com a sarjeta, o lado sujo e mais esburacado.

No lado direito, o ciclista sempre corre o risco de se desequilibrar e cair embaixo do rodeiro de um ônibus ou caminhão — veículos grandes dificilmente conseguem fazer ultrapassagens respeitando a distância mínima de 1,5 metro das bicicletas.

Como eles são muito largos, isso os faria ocupar duas faixas, uma situação difícil de administrar do alto da cabine.  

E o pior de tudo:

Raros são os ciclistas com alguma noção da realidade do trânsito (e de suas leis).

A imensa maioria deles não faz a menor ideia da dificuldade que os motoristas têm para enxergar outros veículos pelo espelho do lado direito, ainda mais uma bicicleta magrela.

Não sabem que do alto da cabine de um caminhão não dá para ver uma bicicleta do lado direito, a bicicleta fica totalmente oculta pela lateral da porta.

Mesmo que o motorista olhe pelo espelho, ele não verá a bicicleta — o ponto cego do espelho de um caminhão é grande o suficiente para impedir a visão de ciclistas, motos e até carros inteiros.

Manobrar um caminhão, ônibus ou carreta em uma esquina é uma operação complicada que exige toda a atenção do motorista.

Note na foto como o caminhão é obrigado a ir para a faixa do meio da avenida e entrar na contramão da rua lateral para que a traseira e o(s) reboque(s) consiga(m) passar rente à calçada do lado direito — sem que as rodas subam na guia.

Quanto maior o veículo, mais difícil sua condução, mais pontos a observar, mais estressado seu condutor.

Toda a atenção do motorista está focada em calcular a manobra para não colidir com outros veículos nem derrubar postes e árvores nas esquinas — nem atropelar pedestres, que se movem muito mais devagar que uma bicicleta.

Para fazer essa conversão mostrada na foto, o motorista é obrigado a quase parar a carreta.

E é aí que a bicicleta cai na armadilha mortal:

O ciclista avança pelo lado direito livre, sem ser visto pelo motorista, e se coloca no caminho das rodas do ônibus, caminhão ou reboque.

Mesmo que pare antes da esquina, o ciclista não imagina que o reboque se moverá para cima dele sem que o motorista o veja.

Durante a conversão, o espelho do caminhão está apontando em direção à traseira do cavalo-mecânico e não para os reboques — o motorista só conseguirá ver a traseira da carreta (não o meio) se dobrando sobre o assento do passageiro. Antigamente um ajudante ocupava esse assento para servir de olhos para o motorista, mas sabe como é, né? Salário de ajudante diminui o lucro da transportadora.

Nesse momento, o motorista não espera que apareça uma bicicleta (ou uma moto) se enfiando pelo lado direito e fazendo uma ultrapassagem proibida durante a manobra do caminhão ou ônibus.

No instante em que o ciclista percebe o grande veículo virando na sua frente, ele já está caindo na frente de alguma das rodas.
Imagem e reportagem: https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2020/01/04/caminhao-de-lixo-passa-por-cima-de-ciclista-ao-acessar-posto-de-combustivel-em-batatais-video.ghtml

Mesmo que o motorista pare imediatamente, um atropelamento fatal só precisa de meia volta do pneu, e isso é uma fração de segundo, mesmo em baixa velocidade.

Então, o(a) ciclista é sempre culpado(a) pelo acidente?

Não dá para falar em culpa.

Ciclistas muitas vezes são crianças ou adolescentes sem qualquer vivência no trânsito.

Ou idosos.
Reportagem: https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2020/02/06/idoso-em-bicicleta-morre-apos-ser-atingido-por-caminhao-em-mato-grosso-do-sul.ghtml

Mesmo motociclistas habilitados cometem o erro de tentar ultrapassar um veículo grande pela direita... foi vendo um acidente desse tipo lá em Floripa que decidi criar o blog.  

Então ciclistas, não encarem essa crítica com revolta e mimimi de perseguição, mas com análise dos fatos — hoje motociclista, eu também já fui ciclista e motorista, vi muita coisa que não queria nesta vida.

Assim como não quero ver acidentes de moto, não quero ver acidentes com ciclistas. Ou pedestres. Ou carros.

Mas o fato é que bicicletas e trânsito pesado não combinam.

Os perigos já são grandes demais para nós, que rodamos com nossas motocicletas mais estáveis e equipadas com motores e freios mais eficientes, e respeitamos as leis de trânsito. Bom, quase todos...

Mas pedalando pela direita os ciclistas estão numa desvantagem enorme que, sinceramente, não vejo como poderão reverter.

Não dá para ensinar leis de trânsito para crianças, não dá para confiar na capacidade de julgamento de quem não conhece os perigos do trânsito.

Ou as bicicletas saem de vez das avenidas e rodovias, ou continuaremos a ver cenas tristes como esta.

Um abraço,

Jeff

Um comentário:

  1. Quando meu pai comprou minha primeira bike (final dos anos 90, eu tinha mais de 12 anos quando aprendi a andar de bicicleta) ela veio com um pequeno manual de transito junto. Não sei se fazem isso hoje em dia

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