Consegui fazer uma resposta antes de viajar, segue abaixo. Qualquer retorno sobre este assunto poderei responder somente após 18 de março.
Este comentário foi postado via facebook pelo leitor William na denúncia A esperteza dos fabricantes e a ingenuidade do povo – parte 2:
Bom, vamos por partes, em azul estão os trechos do comentário do William:
Jeff,
Legal sua atitude de querer ajudar as pessoas, mas você deveria primeiramente se informar melhor pois você está completamente equivocado e pode acabar levando mais pessoas ao erro.
Obrigado pelo cumprimento e pela maneira como você se preocupou em não me ofender, apesar de achar que eu sou um cara totalmente errado.
Ao longo desta resposta você verá que a realidade é outra e eu não estou equivocado.
Há um grande acerto da sua parte ao falar das motos de cárter seco e cárter úmido — você conhece motores de moto.
Em compensação, há duas coisas erradas em seu comentário:
1) Pensar que eu desconheço o assunto;
2) Afirmar que eu estou induzindo as pessoas a erro, quando na verdade está acontecendo o oposto.
Mas isso não é culpa sua — é apenas um mal entendido difícil de as pessoas compreenderem, porque aprenderam dessa maneira e a primeira reação é achar que os erros são meus.
Sobre a questão de como verificar o nível de óleo, é algo extremamente simples!
É verdade.
Qualquer um pode fazer, não tem como errar.
Nos carros não tem mistério, e nas motos existe um pequeno macete que todo mundo ignora, e que faz o pessoal correr risco e tomar prejuízo.
Mas basta seguir corretamente as instruções do manual do proprietário que tudo fica perfeito.
É o que eu tento explicar aqui no blog e poucas pessoas entendem.
Você sabe a diferença entre um motor de cárter seco para um motor de cárter úmido?
Sim, eu sei.
Motores de cárter seco trabalham com o mínimo de óleo na carcaça e a maior parte fica em um reservatório externo ao motor.
São muito usados em motos trilheiras porque permitem maior altura livre do solo e melhor arrefecimento para motores altamente exigidos em velocidades relativamente baixas.
É o caso das motos de trilha, que não contam com ventilação farta e constante nas aletas do motor.
O reservatório de óleo ajuda a dissipar o calor, complementando o trabalho do radiador de óleo ou do radiador de água nas motos arrefecidas a líquido.
Obviamente que não, pois se soubesse não teria postado isto!
Bom... lamento desapontá-lo...
Sou Técnico em Mecânica Industrial formado pela Escola Técnica Industrial Lauro Gomes de São Bernardo do Campo, São Paulo.
Hoje ela mudou de nome, mas essencialmente é a mesma escola.
Lá na ETILG aprendemos a dimensionar e projetar dispositivos, ferramentas e equipamentos industriais relativamente complexos como estampos de corte e repuxo, e também redutores e caixas de câmbio. Mecânica Automotiva também fez parte.
Nosso projeto de conclusão de curso foi uma caixa de marchas de três velocidades de acionamento manual, e o dimensionamento envolveu cálculos de resistência mecânica da carcaça, mancais, eixos e engrenagens, incluindo os critérios de expectativa de vida útil, acessibilidade para manutenção e tipo e nível de óleo correto para sua lubrificação.
Fiz estágio em Manutenção de Máquinas em um dos maiores fabricantes mundiais de caminhões. O foco do departamento na lubrificação do parque industrial era intenso e lá eu tive de me inteirar de todo o curso de lubrificação industrial e automotiva de uma grande petroleira.
Posteriormente, como tradutor e revisor técnico, muita literatura da indústria automotiva e de motos passou pelas minhas mãos: manuais de proprietário e manuais de serviços de diversos fabricantes para a manutenção de motos, motos aquáticas, quadriciclos, autos, motores e transmissões de caminhões e ônibus, e cursos de treinamento de técnicos mecânicos automotivos em todos os níveis.
Ou seja, é muito possível que eu tenha conhecido de antemão os materiais e cursos de treinamento que o mecânico responsável pela manutenção do motor da sua moto usou para desmontá-lo e montá-lo.
Aqui no blog eu me limito a comentar o que deveria ser de conhecimento geral — as informações públicas constantes nos manuais de proprietário — e também meu conhecimento técnico adquirido na escola.
Não menciono informações de cursos de treinamento e manuais de serviços, que no Brasil são confidenciais e de uso restrito às concessionárias (apesar de, no exterior, esses manuais serem públicos e vendidos aos proprietários interessados em fazer por si mesmos a manutenção de suas máquinas).
Também sou Tecnólogo em Soldagem formado pela FATEC - UNESP, mas no momento isso não vem ao caso.
Sabe, eu conheço o suficiente do assunto e tenho motos, sei bem do que estou falando.
Mas vamos lá, a diferença no procedimento entre alguns motores é justamente pelo tipo de cárter, seco ou úmido.
Nos motores de cárter seco a diferença da quantidade de óleo após ligar e desligar o motor é grande. Nos motores de cárter úmido ela é menor, mas também existe.
Nos motores de cárter úmido durante um bom tempo após o desligamento do motor uma quantidade de óleo permanece retida nas galerias que percorrem a carcaça e vão até o cabeçote do motor.
Esse óleo tem o percurso de retorno ao cárter dificultado por uma válvula de retenção instalada junto à bomba de óleo e também pelas folgas reduzidas da própria bomba nos motores de motos maiores.
Nos motores de motos menores, essa retenção é causada exclusivamente pelas folgas diminutas da bomba de óleo, já que não são equipados com válvula de retenção.
No caso do cárter úmido (por exemplo, CG150, CB300, YBR 125, Fazer 250) o óleo fica todo no cárter e para medir o nível basta verificar na vareta antes de funcionar o motor.
Olha, você precisa falar isso para os engenheiros da honda, da yamaha, da suzuki, da kawasaki, da kasinski, da dafra, da traxx, da polaris, da zongshen, da lifan, da lifeng... da indian*... porque eles dizem o contrário.
* Atualização de última hora, veja lá embaixo.
Fonte: Manual do Proprietário honda Titan 150 2006
A vareta ou visor dos motores de motos japonesas / chinesas são calibrados com as galerias de lubrificação cheias de óleo, após ligar e desligar o motor.
Essa pequena diferença nas motos de cárter úmido japonesas / chinesas fica na casa dos 15% a 20% da capacidade total de óleo do motor, o que corresponde mais ou menos à faixa de medição da vareta / visor.
O que eu tento mostrar para as pessoas e as pessoas não entendem é que medindo errado (em desacordo com o manual do proprietário) elas se iludem que o motor está com a quantidade correta de óleo. Não está. Está no nível mínimo da vareta.
Pois é, o pessoal roda o tempo todo com o motor implorando mais óleo.
O motor precisa de mais um complemento de óleo que seria obrigação do fabricante colocar durante as revisões, mas que ele deixa a cargo do proprietário, que negligencia o procedimento do manual do proprietário e não completa o óleo do cárter.
O resultado são motores de motos durando apenas 50 ou 60 mil km e o pessoal achando que isso é normal, e o fabricante feliz da vida vendendo mais motos e peças de reposição graças à alergia pela leitura de nosso povo brasileiro.
Já no caso do cárter seco (por exemplo NX4 Falcon, XT600E e XT660R) o [óleo] não fica no cárter e sim em um reservatório fora do motor, e consequentemente tem todo um processo (que consiste em aquecer e depois deixar alguns minutos em repouso, conforme manual), para depois efetuar a verificação.
É fato:
Fonte: Manual do Proprietário honda NX Falcon 2006
Isso é algo tão simples, que qualquer pessoa com um pouco de conhecimento de mecânica sabe!
Pois é, né?
Que coisa.
Só que o que eu leio com meus próprios olhos no manual do proprietário de uma moto honda, yamaha, suzuki, kawasaki, etc., etc., etc. diz o contrário do que você afirma.
Sabe o porquê disso acontecer?
Porque você baseia seus argumentos na escola de engenharia ocidental, que mede o óleo totalmente recolhido no cárter na primeira medição da manhã, antes de ligar o motor.
É um critério simples, muito bom e que não gera confusão.
A medição com repouso pleno é feita nos motores de automóveis, ônibus, caminhões e motos de fabricação americana, como a Harley-Davidson.
Correção: Durante a viagem de março conversei com um amigo proprietário de uma Harley. A fábrica manda o proprietário dar uma volta no quarteirão antes de medir o nível de óleo, a vareta está calibrada com o motor totalmente quente.
Ainda não vi o manual de uma moto inglesa, italiana ou alemã, então não posso afirmar nada sobre o critério de engenharia utilizado por elas.
Mas por filosofia de projeto oriental, os engenheiros japoneses / chineses calibram a indicação do nível nas condições reais de uso do motor e não na condição de repouso pleno, usada pela escola ocidental.
Por que os engenheiros japoneses / chineses fazem isso?
Porque motores de motos são proporcionalmente pequenos e pequenas diferenças são significativas.
É uma maneira diferente de abordar o problema e que funciona bem no Japão, Coréia, China... países em que instruções por escrito não são ignoradas.
Minha experiência prática sobre este assunto:
Já tive uma honda CG 125, e agora tenho uma dafra Kansas 150 e uma lifeng Fenix Gold 250.
A Kansas, assim como a dafra Speed (o Daniel tem uma) são injusta e tristemente famosas pela pouca durabilidade de seus motores — as Kansas geralmente fundem o motor com 15 mil a 35 mil km, no máximo.
No entanto, minha Kansas está com 78 mil km sem precisar de retífica. A Speed do Daniel precisou fazer o motor somente aos 100 mil km.
Será mesmo que nós fizemos tudo errado nestes 5 anos?
Por outro lado, já falei com o proprietário de uma Bros que teve de retificar seu motor quatro vezes e trocar o cabeçote, tudo isso em apenas 120 mil km.
Outro dia falei com o sobrevivente de uma Titan que teve o motor travado em plena BR-101 aqui em Biguaçu, um dos trechos mais movimentados da estrada. O motor estava com cerca de 30 mil km.
Ele só escapou vivo porque era noite, o trânsito não era intenso e o caminhão atrás dele vinha longe o suficiente para não passar por cima, senão seria mais um caso de "motociclista morre ao perder o controle da moto".
O motor da moto travou por quê?
Fonte: Manual do Proprietário kawasaki Ninja
Travou por deficiência de lubrificação. Nível baixo de óleo é um perigo.
Não leve a mal, estou tentando lhe ajudar, da mesma forma como você estava tentando!
Não levo a mal. Seu comentário foi muito bom para ajudar a esclarecer esse engano cometido pela imensa maioria das pessoas.
A mesma coisa acontece com o conceito popular sobre o significado da classificação SAE dos óleos lubrificantes.
É amplamente divulgado na internet que os números indicam temperaturas mínima e máxima para utilização do óleo, e isso está totalmente errado.
Mas já alertei o responsável pela divulgação dessa informação incorreta.
O que você disse não está errado quanto à parte teórica — seu engano está em citar uma filosofia de projeto ocidental, quando a maioria de nossas motos aqui no Brasil é projetada seguindo a filosofia oriental. E lá do outro lado do mundo a maneira de encarar o problema é outra.
Eles sequer imaginam que o modo deles possa gerar esse conflito de interpretações por aqui no Brasil.
Os fabricantes orientais continuarão mandando os proprietários lerem o manual do proprietário para que efetuem o procedimento de medição e complementação do óleo descrito ali.
Mas os brasileiros não têm o hábito da leitura, se deixam levar pelo que ouvem falar, não se dão sequer ao trabalho de ler o manual do proprietário de suas próprias motos... seria melhor que os fabricantes adaptassem seus manuais para o jeito que o brasileiro está acostumado.
O procedimento simples de medição com todo o óleo no cárter pela manhã não causaria confusão, e ninguém continuaria a colocar seu patrimônio e sua vida em risco por rodar permanentemente no limite mínimo de óleo e abaixo dele, quando o óleo é consumido.
Só que em compensação, não seriam vendidas tantas peças de reposição e o mercado de motos novas não giraria com tanta rapidez...
É o que tentamos alertar aqui no blog.
E não me leve a mal também, William.
Você me ajudou muito com uma postagem que eu estava preparando justamente sobre os procedimentos de verificação do nível de óleo do manual da Falcon e do manual da Titan.
Sabe o porquê de para os donos de Falcon isso ser muito bem explicado, e para os donos de Titan ser amplamente divulgada a versão em desacordo com o manual do proprietário?
O motivo é que se o proprietário da Falcon medir errado, a diferença da quantidade de óleo será significativa devido ao cárter seco, o motor será danificado ainda antes do final da garantia.
Então o procedimento é explicado com todo o cuidado para o proprietário para que ele (e a empresa) não tenha problemas... pelo menos, antes do fim da garantia.
Curiosamente, para as motos de cárter úmido como a Titan, Fan, YBR, Factor, Yes, Intruder, Fazer, Twister, Tornado, XRE, CB 300 e a grande maioria das motos vendidas no Brasil, em que a diferença é pequena e os danos só aparecerão com o tempo, a versão que se divulga por aí é justamente essa enganosa que você conhece e explicou aqui, em contradição com o que está escrito nos manuais do proprietário.
Até o vendedor na hora da entrega acaba orientando errado, e não por maldade: ele faz isso na própria moto.
Com o nível incorreto de óleo, os problemas no motor não aparecerão durante a garantia porque a diferença de óleo é pequena, eles só se manifestarão a longo prazo com a moto rodando sempre no nível mínimo e abaixo dele, e aí o conserto será por conta do comprador.
Somente descobrimos esse fato devido ao erro grotesco da quantidade de óleo das dafra Kansas e Speed, cujo manual pede 0,9 ou 1 litro a cada troca, mas que realmente necessitam de 1,3 a 1,4 litro para atingir o nível máximo correto de óleo conforme o procedimento do mesmo manual do proprietário.
Nas Titan, Fan, Factor, YBR, Yes e aparentadas, essa diferença fica na casa dos 0,2 litro. Parece nada, mas são 17% da capacidade do cárter, é praticamente a diferença entre o nível mínimo e máximo da vareta.
Como será que essa versão errada (para motocicletas japonesas / chinesas) que você conhece se tornou tão enraizada no imaginário popular?
Teria sido pela associação com o procedimento de medição dos motores de cárter úmido dos carros?
A harley usa esse método igual ao dos carros; os fabricantes orientais não. Informação corrigida, as Harley medem o nível com o motor totalmente aquecido, vide a atualização feita logo após a viagem.
*Atualização surpresa de última hora:
O site Old Dog Cycles publicou um vídeo da própria Indian, fabricante concorrente da Harley, mostrando o procedimento de troca de óleo de seus motores. Adivinha?
Vídeo: http://olddogcycles.com/2015/03/aprenda-como-trocar-o-oleo-da-sua-indian.html
Após a troca de óleo, eles mandam ligar e desligar o motor duas vezes antes de medir o nível de óleo: a primeira vez após colocar a quantidade recomendada, a segunda após colocar a parcela complementar. Assista o vídeo neste link e veja com seus olhos.
Essas dúvidas e problemas não existiriam se as pessoas lessem seus manuais de proprietário.
Um abraço, e obrigado por vir aqui no blog demonstrar tão claramente esse engano que quase todo mundo comete,
Jeff