terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A conclusão final a que chegamos

Nas últimas dez postagens vimos uma série de casos de recalls de motos e carros recém lançados com graves erros de projeto e execução.

Apenas separei alguns casos, para quem quiser pesquisar o assunto vai longe... 

Mas para concluir e encerrar o assunto destas duas semanas, vamos voltar à vaca fria:
Vendo tantos recalls por motivos graves e bizarros acontecendo, é o caso de perguntar:

Por que tantos problemas acontecem e são descobertos somente depois que as motos (e carros e mais um monte de produtos) estão nas mãos dos clientes — colocando a vida e o patrimônio deles em perigo?

A principal responsabilidade dos fabricantes é fornecer produtos confiáveis e seguros — não podemos abrir mão disso.

Mas parece que hoje a preocupação das fabricantes com o custo de fabricação, o preço de venda, a beleza, a propaganda, o apelo aos consumidores e a rapidez no lançamento e na obsolescência de novos produtos se sobrepõe a qualquer critério de segurança.
Imagem: http://leninja.com.br/obsolescencia-programada/ — A comparação entre windows e apple é bizarra... a microsoft não se diferencia da concorrência na hora de obrigar os consumidores a migrar para novos sistemas operacionais...
Mais sobre obsolescência programada: http://na-beirada.blogspot.com.br/2012/04/obsolescencia-programada.html

— O produto novo tem um risco mortal...

Nôu problem, se custar menos de 10 centavos a gente conserta na revisão e não fala nada — e cobra como "materiais diversos".

— Mas vai custar mais de 10 centavos...

Bom, o jeito é marcar uma reunião para discutir o assunto.

— O produto já matou alguém...

Tudo bem, o departamento jurídico cuida disso para negar a responsabilidade. Na pior das hipóteses, eles negociam a menor indenização possível.

— A imprensa está fazendo alarde... 

A gente aumenta a verba publicitária para preservar a imagem da empresa e manter as vendas lá no alto e enrola o quanto puder. 

— As autoridades estão investigando...

É, não vai ter jeito, faz um recall.

É triste, ma
s é assim que eu imagino essas decisões vitais sendo tomadas nessas empresas...
Imagem: Montagem sobre https://cityroom.blogs.nytimes.com/2010/10/18/complaint-box-recap-meetings-and-those-who-hate-them/?_r=0

Eu acuso as montadoras de descaso com seus clientes devido à urgência desmedida de lançar novos produtos no mercado sem fazer os devidos testes de confiabilidade e durabilidade.

Antigamente novos produtos eram testados no mínimo por dois anos antes de irem paras as ruas.

Hoje o projetista dá ENTER no computador e as motos já começam a ser despachadas para as concessionárias. 

Estou exagerando, mas não é muito diferente disso.

A data de lançamento é definida antes de outros parâmetros fundamentais do projeto — e os funcionários que façam mágica para cumprir as metas.

Se vai dar certo ou não, aí é outra história...

Chega uma hora em que se ultrapassa o limite do razoável e os problemas superam as vantagens.

Veja o caso da harley e da indian:

Os motores de menor cilindrada das Sportster e das Scout não excederam a barreira do viável e não dão problemas... enquanto os maiores estão decepcionando ou a caminho de decepcionar seus proprietários.

Fique esperto, porque se depender dos fabricantes, sejam quem for, você estará cada vez mais entregue à própria sorte porque as metas são cada vez mais inalcançáveis.

Como a dafra demonstra com as Indian e Kansas, nem mesmo na hora de convocar um recall que poderá salvar vidas eles enfiam a mão no bolso.


Mas para fazer propaganda na hora de vender, a estória é outra, vale até computação gráfica:


A dafra nunca se retratou por recomendar menos óleo que o mínimo necessário para as Kansas e Speed, e repetiu o escárnio com as Horizon 150.

A dafra não teve pudor de omitir e alterar informações em seus próprios manuais de proprietário, "porque assim se ganha mais dinheiro", já dizia o Cazuza.

A honda demorou uma eternidade para descobrir a causa do problema de incêndio do freio das Gold Wing, mas pelo menos teve a decência de convocar publicamente o recall até mesmo no Brasil... Antes tarde do que nunca.

Em compensação, até hoje a honda "não descobriu" o motivo dos motores começarem a pipocar depois da adoção do óleo 10W-30.

E até hoje deita e rola em cima dos proprietários que estão perdendo seus motores por confiar na empresa e usar esse óleo inadequado que até outro dia não era recomendado para o Brasil.

Suas concessionárias cometem o desplante de recomendar o famigerado óleo 10W-30 até mesmo para motos que originalmente usavam 20W-50, como a CB 300... 

O resultado é o que todos conhecem.

Graças a essa pressa de lançar novos produtos e ganhar mais dinheiro, os fabricantes não cumprem com sua obrigação de colocar à venda produtos seguros.

Quando descobrem um problema grave, nem sempre dão o destaque que a situação exige.

Se omitem quanto a seus deveres máximos — alguns são omissos até mesmo diante do que a lei determina.

O Casoy diria que tais erros e atitudes são uma vergonha.

Outros diriam que é a falta dela.

O pessoal sai de fininho e finge que nem é com eles.

Os engenheiros da polaris / indian, cujos problemas desencadearam esta série de postagens, não são vilões.

Eles certamente se empenharam em fazer o melhor projeto possível, e os quadriciclos e as motos fabricadas por eles são prova disso.

A gente vê nos detalhes que há paixão no desenvolvimento de todos os componentes das máquinas.

O lamentável é que na hora de unirem essas peças eles cometeram falhas de projeto elementares, indignas até de iniciantes — e essas falhas custaram vidas.

E assim como eles, a imensa maioria dos engenheiros das outras empresas também não quer ser vilão.

Mas eles são obrigados a trabalhar para atingir objetivos fora da realidade estabelecidos por critérios de marketing e não de bom senso.

Em nome do mercado, perdeu-se o pé da realidade, e isso está colocando vidas e patrimônios em perigo.

Está faltando alguém lá dentro dessas empresas dar um murro na mesa e afirmar em alto e bom som:
Imagem: http://www.arthur.bio.br/2013/12/31/relacionamentos/basta-ou-a-gota-que-faltava#.WJBfglMrK1s

Não dá para lançar produtos confiáveis nos prazos exigidos e nos custos de produção almejados!

Ou talvez alguém já tenha dito isso e foi substituído por outro engenheiro mais "pró-ativo e alinhado com as metas da empresa"... nunca saberemos.

Algo está profundamente errado na maneira como as empresas estão lançando produtos no mercado.


Quando a gente vê empresas como a harley-davidson lançando no mercado uma moto que precisa passar por recall porque não cumpre normas elementares — como a obrigatoriedade de instalar refletores na traseira da moto...
Imagem e reportagem: http://www.asphaltandrubber.com/recall/harley-davidson-recalls-motorcycles-lack-reflectors/

Ou uma honda da vida soltando no mercado milhões de motos perigosas porque os piscas não atendem às normas internacionais de distância mínima em relação ao farol...

E ainda por cima, retirando o modelo de fabricação de fininho, sem nunca convocar um recall...
Denúncia: http://minhaprimeiramoto.blogspot.com.br/2014/09/uma-modinha-e-milhoes-de-motos.html

Mesmo sabendo que os piscas embutidos no farol descumpriam a legislação e colocavam colocam a vida dos usuários em risco, a honda teve a cara de pau de fingir que nunca pariu a criança.

E ainda fez o marketing dos novos piscas externos da CG 2014 afirmando cinicamente que eles são "atualizados e atendem às normas internacionais de iluminação com excelente sinalização" — tudo o que os piscas das CG 2009 a 2013 não faziam e não fazem até hoje!

É ou não é o cúmulo do máximo da cara de pau?

Ver tantas empresas que se dizem sérias cometendo tantos erros que colocam as vidas dos usuários em perigo é suficiente para perder de vez a fé nas indústrias automotiva e de motocicletas.

Eu responsabilizo a ganância das empresas por levar ao abandono das práticas consagradas de Engenharia.

Culpo essa pressão absurda para vender cada vez mais e mais rápido, sem enxergar direito o que estão fazendo, sem prever as consequências dessa pressa irresponsável.

Na ânsia de despejar novos produtos no mercado, transformaram os consumidores em pilotos de prova e cobaias de teste.

Se alguma coisa der errado, fazem um recall.

Ou tiram o produto do mercado fazendo de conta que o problema nunca existiu — até têm o descaramento de usar a falha do projeto anterior como argumento de vendas para o novo produto.

Ou então enrolam o quanto podem para não assumir a responsabilidade pelos erros.

Quando não jogam a culpa pelos problemas nas costas dos clientes que nem sabem onde encontrar os argumentos mínimos para contestar esse abuso de poder.

Enquanto as verbas para o marketing forem a maior prioridade, e a segurança e confiabilidade dos produtos for sacrificada, continuaremos a ver os nomes de grandes empresas associados a escândalos revoltantes.

Revoltantes porque evitáveis.

Essa fórmula aplicada pelas empresas de "máxima qualidade no menor prazo e menor custo" está errada.
Imagem: http://uncyclopedia.wikia.com/wiki/Unobtainium

Começa errada porque nem considera a segurança final do produto.

Além disso, essa equação não fecha.

É algo impossível de se obter. 

Para atingir duas dessas metas, você é obrigado a abrir mão de uma.

E ao priorizar o menor prazo de desenvolvimento dos produtos e o menor custo de fabricação, automaticamente a qualidade e a segurança do produto vão pelo ralo.

Alguém precisa dar um basta nessa espiral decadente de obsolescência programada e muitas vezes imprevista que os carros, motocicletas e demais produtos estão cumprindo cada vez mais rápido. 

Se você souber de algum outro motivo para isso estar acontecendo além da ganância e abandono das práticas consagradas de Engenharia em prol do marketing e aumento das vendas, é só dizer nos comentários.

Obrigado por acompanhar o meu desabafo, eu precisava dizer essas coisas. 

Estavam entaladas na garganta há tempos...

Um abraço,

Jeff

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Os três recalls seguidos da honda Gold Wing 1800 pelo mesmo problema: pegar fogo por falha no projeto do freio

Continuando a conversa sobre o mistério daquela moto pegando fogo na estrada:

Será que aquela Gold Wing que pegou fogo mostrada na postagem da outra terça-feira e na foto abaixo se incendiou por causa daquele problema no relé de partida / chicote elétrico da postagem de ontem?

Como vimos, ela não estava na lista de 33 modelos da honda com suspeita de falha no relé de partida capaz de incendiar o chicote elétrico e a moto.

Seria culpa de algum acessório instalado pós-venda?

Não acredito ser o caso... 

Quem instalaria um acessório em uma moto que já vem de fábrica com todos os acessórios possíveis e imagináveis?

Dê uma boa olhada na foto:
Imagem: delawareonline.com
Com um pouco de análise podemos chegar a algumas conclusões bem interessantes.

Primeira coisa, essa moto está em pé no cavalete, portanto ela não bateu nem caiu. 

Não consigo imaginar alguém conseguir levantar uma moto pesada como essa pegando fogo devido a um tombo.

Nem um tombo sem colisão conseguir botar fogo em uma moto sem causar um grande dano ao chassi e deixar o piloto sem condição de erguer a moto.

Como se entende da notícia de onde foi obtida a foto, o fogo começou espontaneamente.

CLRD é abreviatura para CLEARED, que pode ser interpretada de duas maneiras: DESIMPEDIDA ou SEM CULPA. 

Pode ser uma atualização da notícia para informar que a via já havia sido liberada desde o horário da publicação inicial, ou simplesmente está dizendo que o fogo foi espontâneo e não houve causa aparente para o incêndio, como uma colisão ou ato intencional — pelo menos até haver uma investigação.

Desconheço a intenção dos autores, acredito mais na primeira possibilidade, então fica a ressalva. Vamos ao corpo da notícia: 

Tradução:

Incêndio em motocicleta bloqueia faixas na [rodovia] I-95 sentido norte

As duas faixas da esquerda da [rodovia] I-95 sentido norte na altura da [rodovia estadual?] Del. 141 foram bloqueadas devido a um incêndio em uma motocicleta. Relatório do departamento de trânsito do Estado de Delaware [EUA].

Independente do sentido adotado para CLEARED, a moto aparentemente foi o único veículo envolvido pois não há relatos de colisão, queda ou atendimento a feridos.

Além da foto, essa é toda a informação disponível — mas com base no que sabemos, podemos traçar algumas hipóteses.

Existe esse recall de uma pá de motos da honda devido ao risco de incêndio por problemas no relé de partida que pode incendiar o chicote elétrico. 

Mas esse incêndio dessa Gold Wing ter começado no chicote é uma possibilidade remota porque o fogo está muito alastrado na roda dianteira.

Como todo mundo com um mínimo de vivência e infância sabe, a tendência do fogo é subir, e não descer...

Então fica muito difícil explicar tanto fogo na roda e mangueira do freio dianteiro se a origem do incêndio não estiver justamente ali.

Mas rodas e mangueiras de freio podem pegar fogo?

Podem sim — e não é um caso inédito para as honda Gold Wing!

Desde o começo da década choveram reclamações de que as Gold Wing prendiam as pastilhas contra o disco de freio, causando aquecimento excessivo e, em alguns casos, incêndio.

O fluido de freio pega fogo com relativa facilidade porque é um composto à base de etilenoglicol, um tipo de álcool — ele não pode ser oleoso para evitar que um pequeno vazamento roube totalmente a eficácia do freio.

Já no início de 2012 houve um PRIMEIRO recall por problemas no freio traseiro chamando TODOS os modelos da Gold Wing 1800 fabricados desde 2001. Até o modelo 2000 ela era "apenas" uma 1500.
Recall: https://www-odi.nhtsa.dot.gov/acms/cs/jaxrs/download/doc/UCM367567/RCONL-11V567-0123.pdf

No final de 2014 houve o SEGUNDO recall pelo mesmo problema do freio traseiro preso — agora de 126.000 motos somente nos EUA chamando todas as Gold Wing fabricadas a partir de maio de 2001 (linha vermelha).
Divulgação: http://www.motorcycle-usa.com/2014/09/article/honda-issues-recall-on-126000-gold-wings/

Em 2015 o problema ainda não havia sido resolvido e a honda convocou o TERCEIRO recall para tentar consertar a mesma coisa...

Dessa vez foram 145.219 motos Gold Wing por risco de incêndio devido ao problema recorrente do bloqueio do freio traseiro.
Imagem e reportagem: http://blog.motorcycle.com/2015/11/04/manufacturers/honda/honda-rear-brake-recall-affects-145219-gold-wings/

E no início de 2016 ainda chamaram mais de 2.000 motos também nos EUA — e que não estavam na lista acima. Alguém lá achou que outras versões dos modelos usando os mesmos componentes poderiam estar livres do problema...

Imagem e divulgação: http://shifting-gears.com/2016/01/14/honda-goldwing-recalled-over-potentially-faulty-brakes/

No Brasil foram "apenas" 667 unidades da moto menos vendida da honda no país:
Divulgação: http://www.estadao.com.br/jornal-do-carro/noticias/servicos,honda-faz-recall-do-freio-da-gold-wing,26310,0.htm
Imagem: http://g1.globo.com/carros/motos/noticia/2015/10/honda-faz-recall-de-667-unidades-da-moto-gl-gold-wing-no-brasil.html

Curioso não encontrar dados sobre o restante do mundo... quantas Gold Wing existem só na Europa? Austrália? Japão?

Mas afinal, qual era o problema tão difícil de resolver?

Sem motivo aparente, o fluido da pinça do freio não retornava para o cilindro mestre traseiro, impedindo a reabertura suficiente da pinça depois que o pedal de freio era liberado.

Rodando com as pastilhas em atrito constante com o disco de freio sem o pedal estar pressionado, o motorzão potente (1,8 litro) não deixava o piloto perceber o problema.

Isso até a hora em que o disco e a pinça se superaqueciam e a mangueira do freio explodia em chamas — e aí era um Deus nos sacuda.

No início a honda quis jogar a responsabilidade pelo problema sobre os proprietários alegando negligência na manutenção. Tá vendo? Não é só no Brasil que a honda bota a culpa no mau uso feito pelos clientes...
Reportagem: http://www.motorcycle-usa.com/2014/09/article/honda-issues-recall-on-126000-gold-wings/

A honda passou anos e anos culpando uma suposta contaminação pela qual a empresa não teria culpa.

Mas em julho de 2014, depois que as motos de proprietários que nunca afastaram as motos das concessionárias tiveram o problema mesmo depois de cumprir o recall, a honda ficou sem argumentos.

E finalmente uma análise mostrou que não havia contaminantes no fluido de freio por culpa dos proprietários — e a honda teve que admitir que o problema era dela sim.

O motivo da epidemia de entupimentos constantes e recorrentes da linha do freio traseiro era uma falha absurda de projeto.

Somente no final de 2015, mais de cinco anos depois do início dos problemas, a honda deu o braço a torcer e fez esse novo recall porque descobriu que o problema ocorria devido ao ataque químico do próprio fluido de freio aprovado e utilizado por ela.
Imagem e reportagem: http://blog.motorcycle.com/2015/10/21/manufacturers/honda/honda-finally-has-a-fix-for-gold-wing-rear-brake-drag-issue/

Conforme a reportagem do Motorcycle.com, a reação química do fluido com os componentes do sistema de freio corroía o metal e soltava pó de zinco — as partículas bloqueavam o retorno do fluido no cilindro mestre do freio traseiro.

Ou seja, o fluido de freio era corrosivo e inadequado para o sistema.

O sistema de freio projetado por ela não aguentava o fluido destinado a ele — o sistema de freio não aguentava as condições normais de trabalho previstas no projeto.

Algum euspírito de porco poderia se atrever a suspeitar que os componentes e / ou o fluido de freio utilizados na produção e revisões nas concessionárias eram vagabundos de qualidade incompatível com os rigorosos padrões de qualidade da fabricante. Mas magina, honda é honda, não ia fazer uma coisa dessas.

O mais correto é concluir que a honda simplesmente não testou os produtos o suficiente antes de colocar as motos no mercado... o que também é muito feio para um fabricante do gabarito da honda.

Para justificar o recall, a honda alegou que somente o cilindro mestre do freio traseiro apresentava o problema, mas fico seriamente em dúvida ao ver essa Gold Wing flambada.
Imagem: Rio. Rio muito. Afinal, a asinha dourada flambada não é minha. Mas tenho dó dos proprietários.

Agora raciocine comigo:

Se o problema era a reação do fluido de freio com os demais componentes, não há motivo para o problema não acontecer também no sistema de freio dianteiro, concorda?

Os componentes tanto do cilindro mestre quanto do cilindro da pinça do freio são os mesmos, basicamente cilindros de liga leve contendo zinco.

Todos com pistões, guarnições de borracha e orifícios pequenos para a passagem de fluido idênticos aos usados no freio traseiro.

E as especificações dos cilindros mestres, pinças e mangueiras tanto do freio dianteiro quanto do traseiro nasceram da mesma equipe de projetistas lá na honda.

Muito provavelmente, todas as mangueiras e componentes foram fornecidos pelos mesmos fabricantes.
Imagem: http://wm1.com.br/motos/honda-gold-wing-seda-de-luxo-sobre-duas-rodas

Em princípio não haveria motivo para a mangueira, o cilindro mestre ou as pinças do freio lá na frente se deteriorarem menos que no freio lá atrás.

O problema pode não ser tão recorrente quanto no caso do freio traseiro devido às diferenças construtivas — já que não haveria acúmulo no cilindro mestre dianteiro que fica em posição elevada enquanto o traseiro fica quase na mesma altura que a pinça.

Mas a posição da mangueira do freio dianteiro é até mais favorável para a descida e acúmulo do pó de zinco lá na pinça do freio...

O problema poderia ocorrer com menor frequência na pinça dianteira e não no cilindro mestre, mas acabaria ocorrendo do mesmo jeito, é só dar tempo ao tempo.
Imagem: delawareonline.com — detalhe ampliado

Vendo essa Gold Wing pegando fogo aparentemente com início na roda e mangueira do freio dianteiro, eu me convenço de que o problema não estava apenas no freio traseiro, como alegado pela fabricante, mas também no sistema do freio dianteiro.

Mas por que a fabricante não teria feito um recall citando também o freio dianteiro?

Bom, tenho uma teoria...

Você viu como pega mal fazer o recall de um modelo com mais de um problema grave que nem ocorreu com yamaha MT-03?

Pega 50% menos mal para a honda se o motivo do recall de uma moto topo de linha como a Gold Wing for apenas por um e não por dois problemas extremamente graves simultâneos, né?

Para quê falar em público de dois problemas se um único recall vai levar as motos para um reparo na concessionária e ela poderá cuidar dos dois problemas ao mesmo tempo e sem fazer publicidade negativa?

Ninguém ficaria sabendo, a menos que aparecesse uma foto de uma moto com a roda dianteira e sua mangueira do freio pegando fogo...

E alguém achasse essa foto, percebesse que uma coisa leva a outra e publicasse em um blog na internet... 

Ops...


Faz sentido, não faz?

Mas neste mundo acontecem mesmo coisas difíceis de entender. Por exemplo, usar óleo 10W-30 no Brasil.

EXTRA! EXTRA! — Notícia de última hora:

Olha só como são as coisas — veja o que eu encontrei depois da postagem pronta, na última revisão na madrugada desta segunda...

Eu estava pesquisando sobre a quantidade de Gold Wings submetidas a recall no restante do mundo — não encontrei a informação — mas encontrei isto:
Fórum: http://goldwingdocs.com/forum/viewtopic.php?t=32952

Simplesmente o relato de um proprietário que teve TODAS as três pinças de freio — duas dianteiras e uma traseira — prendendo e superaquecendo de azular os discos logo depois de atender o recall na concessionária para resolver o problema no freio traseiro...

E o autor diz que a concessionária honda fez uma lavagem interna (flush) também do sistema de freio dianteiro, apesar de não previsto no recall... como imaginei.

E mesmo assim em 2016 a moto desse proprietário teve o problema de arrasto dos freios e os técnicos não sabiam a causa, a golduchinha precisou ficar lá na concessionária para análise... honda sendo honda montadora sendo montadora.

Sabe, até eu que sou meio burro mas não dormia nas aulas de Química saquei que nada impedia o problema de acontecer no freio dianteiro...

Desconfiar das coisas e encontrar evidências de estar certo fazem um bem danado ao coração... e ajuda a evitar grandes encrencas ao comprar uma moto...

Estes últimos dias têm sido muito instrutivos e divertidos (para mim). 

Mas tudo que é bom dura pouco — os proprietários destes carros e motos que perderam o entusiasmo com o veículo novo por conta dos recalls que o digam...

Então está na hora de finalizar esta série comemorativa de postagens — mas só direi o motivo da comemoração quando ela acabar.

Amanhã eu faço um fecho para este assunto e prometo não falar mais disso.

Pelo menos até o próximo recall por motivo escabroso. Ou seja, logo estarei de volta — e também não esqueci a promessa sobre as montadoras de automóveis lá do outro lado do mundo.

Um abraço,

Jeff

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Os recalls de motos de arrepiar e o mistério daquela honda Gold Wing que pegou fogo sozinha no meio da estrada

A lista de motos recém lançadas que passaram por recall nos EUA nos últimos tempos é enorme.

Primeira página de outras muitas...
Somente no ano de 2015 você teve recalls da harley-davidson Dyna / Softail, aprilia Shiver 750, aprilia Caponord 1200, polaris Slingshot, brammo Empulse, can am Spyder, kawasaki Concours 14, indian Scout, ducati Multistrada 1200...

Vários modelos da yamaha deram problema no seletor de marchas, harley-davidson Street e Touring por problema na embreagem, ktm, yamaha R1, triumph Daytona 675 e Speed Triple e honda CBR 1000S por problemas nos amortecedores...

45 mil motos de vários modelos da honda por erro de aplicação de selante no interruptor de partida capaz de deixar a moto inoperante, honda CB 500F e CB 500R, bomba de combustível das harley-davidson Street 500 e Street 750, freio nas motonetas KYMCO, mangueira de freio nas motonetas bmw C 600, pinça do freio dianteiro nas suzuki GSX 1000...

Tudo isso só em tempos recentes.

Em 2017 já foram mais 6, descontando aqueles dos 7 modelos da indian.

Teve mais um outro da polaris que eu nem comentei porque é um triciclo que eu pensava que o Slingshot não era vendido aqui no Brasil.
Imagem: http://www.moto.com.br/acontece/conteudo/polaris-suspende-vendas-do-triciclo-slingshot-83247.html

Vou comentar somente os recalls com grande risco de vida para os ocupantes:

Você encontra casos apavorantes como o recall de 46.426 motos de vários modelos da bmw só nos EUA por possibilidade de quebra do flange de montagem da roda traseira.
Imagem e divulgação: http://g1.globo.com/carros/motos/noticia/2015/04/bmw-convoca-4558-motos-no-brasil-para-recall.html

Aqui no Brasil o recall afetou somente os modelos K 1200 e K 1300, mas note que foram chamadas motos fabricadas durante 8 anos inteiros...

Ou seja, o excesso de aperto determinado no projeto foi aplicado durante esses 8 anos e só foi detectado depois que as motos mais antigas começaram a dar problema...

Não queria estar na pele do proprietário de uma dessas no momento em que a roda traseira rachou e se soltou.

Com o travamento da roda traseira, o tombo é certo e o risco de atropelamento — bah, não quero nem pensar.


Entre os recalls nos EUA não está a história bizarra e não muito bem explicada do recall das kawasaki Ninja ZX-10R e Concours 14 feito aqui no Brasil...
Imagem e ivulgação: http://g1.globo.com/carros/noticia/2012/08/kawasaki-comunica-recall-dos-modelos-concours-14-e-ninja.html

Sabe o que eu achei curioso na divulgação feita na mídia?

As reportagens para falar do recall mostram fotos dando destaque para a Concours 14 (acima) por causa de um problema menor — o acúmulo de sujeira externa que bizarramente exige a substituição do cilindro mestre (linhas azuis)...

E ninguém deu destaque ao caso muito mais grave da moto muito mais vendida Ninja ZX 10R (linhas vermelhas)...
Imagem: Divulgação kawasaki

Nas manchetes o pessoal fala de um simples "acúmulo de óleo" fora do motor... 

E só nas letrinhas miúdas quase no final da reportagem quando ninguém mais está lendo — do lado de uma fotinho discreta da moto — é que falam que isso pode causar perda de controle da Ninja. 
Divulgação: http://g1.globo.com/carros/noticia/2012/08/kawasaki-comunica-recall-dos-modelos-concours-14-e-ninja.html

Ninguém fala em lugar nenhum que será necessário trocar a carcaça fundida defeituosa e fazer a reconstrução completa do motor... Mania de dourar a pílula que esse pessoal tem.

Ou será que taparam o furo com uma gambiarra de epóxi? Dona kawa, fala sério, hein?

Descobrir uma falha grosseira de fundição, ocorrida na primeira etapa do processo industrial, somente depois que a moto já está na garagem do dono? 

Que raio de controle de qualidade vocês estão usando aí no Japão? Ou é na fábrica da Tailândia, onde a mão de obra é mais barata? Sinceramente... pô, que decepção, dona kawa...

Outro caso que não teve o destaque merecido por aqui foi o recall da yamaha para as YZF R1 por uma falha potencialmente mortal — a quebra das engrenagens do câmbio.

O recall envolveu TODAS as motos fabricadas em 2015...
Imagem e reportagem: http://www.moto.com.br/acontece/conteudo/yamaha-yzfr1-2015-recall-por-problema-no-cambio-92568.html

Esse recall foi pouco noticiado no Natal porque não ocorreu no Brasil já que a yamaha não importa essa nova viúva negra para cá —então não chamou a atenção da grande mídia, mas devia, pela seriedade do problema.

Uma engrenagem quebrada no câmbio de um carro faz o seu fusca travar no meio da avenida Rubem Berta no horário de pico. Já fui contemplado com uma dessas, só saí de lá com guincho.

Se eu estivesse de moto não tinha blog.

Por aqui a yamaha não fez o recall da R1, mas em compensação fez o da YZF-R3, a rival da Ninjinha, por problemas na bomba de óleo, embreagem e possível erro de montagem das travinhas do câmbio...
Imagem e divulgação: http://g1.globo.com/carros/motos/noticia/2016/06/yamaha-r3-entra-em-recall-para-trocar-bomba-de-oleo-e-placa-de-embreagem.html

TRÊS problemas extremamente graves em um único modelo — TRÊS defeitos com potencial para derrubar o motociclista e causar um acidente fatal.

Como foi testada essa moto antes do lançamento que não perceberam TRÊS problemas assim graves?

Não fizeram testes de rodagem de alta quilometragem? 

Deixaram essa tarefa para os proprietários? 

Os donos agora são pilotos de teste sem remuneração? Ou melhor, pagando para servir de cobaias? Francamente....

A yamaha também fez o recall da MT-09 por outro motivo, a quebra da coroa de transmissão — outro problema com o mesmo perigo de derrubar os ocupantes:
Imagem e divulgação: http://g1.globo.com/carros/motos/noticia/2015/11/yamaha-mt-09-e-chamada-para-recall-no-brasil.html

A MT-09 é esse modelo que você não vê na foto da divulgação do recall. Será que não queriam queimar a imagem?

A quebra de engrenagens ou eixo do câmbio, e também da coroa de transmissão, pode causar o travamento da roda traseira no meio de uma rodovia.

Um tombo certo com muita possibilidade de resultar em lesões graves, atropelamento e morte.


O ano de 2016 não foi muito bom para a yamaha...
Imagem e divulgação: http://g1.globo.com/carros/motos/noticia/2016/05/yamaha-xtz-150-crosser-tem-recall-por-possivel-quebra-do-chassi.html

Quem diria que a yamaha conseguiria lançar a Crosser com risco de quebra do chassi, um defeito que a gente só viu acontecer na dafra Kansas?

Exatamente o mesmo problema que a dafra nunca teve a hombridade de assumir.
Recall da yamaha Crosser: g1 autoesporte
Eu adoro a sutileza e a cara de pau do texto do recall...

Para eles o problema não está no chassi ter sido MAL PROJETADO...

Está nas "determinadas situações de uso frequente da motocicleta"...

"em pisos irregulares com trepidação constante"...

Pô, yamaha, não vem com esse papo de dafra!

Projeta uma moto que não aguenta ser usada por um ano e vem por a culpa nas ruas e condições normais que vocês não souberam prever?

Ora, faça o favor! Pelo menos a yamaha teve a decência de convocar o recall... 

Tantos problemas tão graves em motos recém lançadas, dona yamaha... 

O que está acontecendo com sua engenharia e controle de qualidade, dona yamaha?

Um recall por motivo semelhante ao da R1 — e risco idêntico — foi feito pela suzuki em relação a uma moto com boas vendas no Brasil, a GSR 150i.

Tome cuidado na hora de comprar uma dessas de segunda mão, verifique se o antigo dono soube do recall.

Melhor ainda, não confie na informação dele, verifique você mesmo se o recall foi feito visitando uma concessionária suzuki — lá eles têm como comprovar se o reparo foi executado. Ou tome muito cuidado ao passar pela Rubem Berta.

Recalls não têm prazo de validade, a montadora é obrigada a resolver o problema criado por ela — o que você não pode é ficar esperando o pior acontecer.

Sentiu falta de alguém?

Não falei até agora da honda, né?

Pois é.

Se o ano de 2016 foi péssimo para a yamaha, o de 2015 foi muito ruim para a honda...

Em 2015 a honda convocou mais de 12 mil motos de 10 modelos aqui no Brasil — incluindo a NC 700, NC 750, a Shadow 750, e as quatro cilindros CBR 600, Hornet e CB 650.

E isso foi noticiado pela rede globo como risco de desligamento repentino do motor por "curto-circuito e superaquecimento do interruptor de partida".
Imagem e divulgação: http://g1.globo.com/carros/motos/noticia/2015/08/honda-faz-recall-de-11922-motos-modelos-podem-desligar-sozinhos.html

Mas o recall norte-americano falava em risco de o motor apagar e não voltar a funcionar em 33 modelos por causa do excesso de selante no solenoide de partida — starter relay switch.
Divulgação do recall: http://www.motorcycle-usa.com/2015/07/article/honda-recalls-45153-motorcycles/

Esse site americano nem sequer mencionou a possibilidade de incêndio do chicote elétrico e outros sites divulgaram com pequeno destaque a chance de a moto pegar fogo. Estranho.

Por que aqui no Brasil na mesma época o mesmo recall, apesar de noticiar corretamente os riscos envolvidos, foi divulgado de maneira diferente?

Sem falar nada sobre o desleixo na aplicação do selante no relé, a versão brasileira publicada no g1 disse que o problema estava no interruptor de partida:
Divulgação do recall: http://g1.globo.com/carros/motos/noticia/2015/08/honda-faz-recall-de-11922-motos-modelos-podem-desligar-sozinhos.html

Eu até pensei que fosse erro da globo, mas entrei no site de recalls da própria honda e a informação diferente e errada partiu mesmo de lá:
Recall: https://www.honda.com.br/noticias/honda-convoca-proprietarios-de-diferentes-modelos-para-inspecao-e-caso-necessario

É isso que dá botar estagiário para escrever literatura técnica...

A tradução correta de starter relay switch é simplesmente relé de partida, e não interruptor de partida e nem interruptor do relé de partida, como está no site da montadora.

Quem ativa e desativa o relé de partida é o interruptor de partida no guidão — o relé é completo em si mesmo, chamá-lo também de interruptor só serve para causar confusão. Como essa.

Interruptor e relé de partida nem ficam perto um do outro...
O resultado é que o boletim de recall saiu errado e incompleto...

Concorda que noticiar um curto-circuito no interruptor de partida dá a impressão de que o problema é menos sério?

Mais fácil de resolver no guidão do que nas profundezas do chassi, né?

Não digo que isso tenha sido intencional, mas o fato é que a divulgação aqui no Brasil omitiu a causa do problema — uma falha grosseira na aplicação do selante durante a fabricação da peça.

Afinal, por que lá fora disseram a causa e aqui no Brasil não falaram nada? Nem falaram que o curto-circuito pode torrar o chicote elétrico?

Negar informações aos clientes brasileiros sobre o problema não ajuda o pessoal a se conscientizar da urgência em cumprir o recall, viu dona honda?

Custava falar exatamente o que a matriz lá no Japão determinou? 

Lá na Austrália e nos Estados Unidos foram bem claros... a aplicação incorreta do selante pode causar o travamento do relé causando parada do motor e a impossibilidade de ligar novamente com risco de acidente para os ocupantes e terceiros, ou um curto-circuito e também eventualmente causar o incêndio do chicote elétrico e da moto.

Porque pensando que o problema está no interruptor ali no guidão, e o interruptor não dando problema nenhum, o que o cidadão faz?

A tendência dele é pensar que a moto está livre de precisar atender o recall, né?

Isso não contribui para aumentar a baixa média de atendimento a recalls que segundo o PROCON de SP está abaixo de 13%... 

Parece que o pessoal lá não conhece piscologia. Piscologia vem de piscis, peixe em latim. Dori não manda lembranças.

Voltando a falar dos recalls nos EUA, note que na lista de 33 modelos com risco eventual de curto-circuito no chicote elétrico lá dos EUA não está relacionada a honda Gold Wing.

Ela estava pegando fogo na parte dianteira, inclusive roda e mangueira do freio dianteiro, e não há nenhum recall para algo parecido com isso.


O que poderia levar uma moto a pegar fogo sozinha como aconteceu com aquela?

Seria um caso que exigiria recall e que não foi convocado pela montadora?

É o que discutiremos na postagem de segunda-feira.

Até lá, um abraço e um bom fim de semana,

Jeff